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Josuel Junior - Editoria

LIGHT TRAPPING - FOTOGRAFIA E AVENTURA PELA CIDADE

Projeto registra encontros entre diferentes modelos e o artista e fotógrafo Shaffer, gerando ensaios intensos, transgressores e inusitados por diferentes cenários e cidades.

Existem sites e blogs em que uma visita casual e momentânea faz com que o público da internet conheça um pouco o projeto de um artista, de um fotógrafo, se apresentando quase como um espaço de divulgação de portfólio de trabalho. Existem também os sites e blogs que levam o internauta a um passeio mais longo entre as diferentes abas e subpáginas, apresentando diferentes estilos estéticos e conceituais. Esses são um verdadeiro labirinto de imagens, sensações, provocações e deleites. Assim é o Lightrapping, site de Shaffer, o entrevistado da semana do Portal Conteúdo.


O Light Trapping começou como um registro de expedições noturnas, escapadas e encontros ao acaso entre Shaffer e diferentes modelos. Para esses encontros com amigos, conhecidos e desconhecidos, o fotógrafo entrou em contato com pessoas, fazendo com que compartilhassem aspectos íntimos, por meio de longas conversas prévias, misturando tudo (tudo mesmo) e dando margem às ideias mais diversas que são traduzidas em imagens. A maior parte do trabalho é feita no Brasil, em praças, parques, edifícios e apartamentos, mas há também cliques interessantíssimos realizados mundo afora.

Uma casa que vira set. Assim Shaffer transforma o próprio lar em instalação.

O projeto já é bom na ideia e essa interatividade entre corpos, filosofias e desejos merece ser apreciada e incentivada, principalmente nesse tempo sombrio pelo qual o Brasil passa. Mais do que registros extra-cotidianos, o trabalho de Shaffer propõe humanizar as relações através da arte e da performance. No período de pandemia, por exemplo, a dinâmica dos ensaios precisou mudar e a partir daí a investigação da intimidade do outro (através desses encontros e registros) foi possível. Pra isso, um Plano B foi necessário: realizar ensaios individuais, presenciais e remotos, e unir esses ensaios por meio de colagens e fotomontagens. Essa experiência visual é prazerosa aos olhos do espectador. Sobre essa iniciativa, Shaffer comenta:


"A coisa das sobreposições veio como uma resposta à impossibilidade de fotos presenciais a partir da pandemia. Eu já tinha feito um trabalho parecido em 2019, de direção remota seguida da criação com as imagens sobrepostas, e achei que era uma alternativa interessante retomar a idéia. Lancei a proposta pra algumas pessoas próximas e logo tinha um monte de gente que viu, gostou e queria fazer também."


DIFERENTES ESTAÇÕES

O site de Shaffer é um labirinto em que o público não pretende, necessariamente, chegar rápido a um final ou perto de uma conclusão. A ideia é parar em cada curva e apreciar o trabalho exposto nela. É isso que torna a visita uma experiência sensorial. Aliás, as imagens despertam mesmo um turbilhão de sensações que vão desde a curiosidade sobre o porquê da foto ao deleite em poder fruir tudo com calma e atenção. Há ensaios minimamente combinados em cenários específicos e ensaios feitos quase que no improviso, sempre dando vazão ao risco e ao acaso, que servem de estímulo para mais criações.

Interação com a obra "Banheirão", de João GG, montada num casarão no Pacaembu/SP

Alguns ensaios assumem, ainda que indiretamente, o caráter de fotoperformance, principalmente na relação do modelo com o ambiente, com um outro modelo, com a iluminação proposta e com o recorte cotidiano das cidades. É um lapso entre espaço-tempo-direção-prazer-supiro... Uma visita às diferentes estações em um único acesso à página. O erro também é bem-vindo na elaboração desse ensaios. Tudo vale, contanto a experiência seja honesta e vivida plenamente.

Gustavo Mendes e Leandro Tupan participaram da proposta

No caso da criação remota de fotos, o processo de Shaffer com os modelos requer confiança e intimidade, afinal, o sentimento de vulnerabilidade é imenso quando pensamos em uma pessoa exposta para uma direção fotográfica à distância. Sobre a receptividade dos voluntários, o artista explica:


"As pessoas recebem bem a proposta. Muitas pessoas acham que não têm condições de produzir o resultado por não terem equipamento, mas uma das idéias é justamente dar esse ar um pouco de algo feito em casa. Isso acabou me trazendo lembranças das primeiras coisas que eu fazia, em que tentava interferir o mínimo nas condições dos lugares que encontrava, principalmente pela rua, e era preciso fazer as coisas com uma certa rapidez."

Os artistas Arthur Scovino e Fenelon Neto

Outro projeto inusitado é o das salas de estar das casas e apartamentos de diferentes amigos. Para essa aventura, foi necessário seguir um protocolo de saúde por causa da atual pandemia da Covid-19 nas poucas sessões presenciais realizadas no último ano. O projeto mescla fotos presenciais com fotos desenvolvidas pelos próprios modelos sob a direção do autor.


"A idéia no projeto das salas, de fotos dos ambientes de meus amigos que depois são fundidas numa imagem só, era ir posteriormente a esses lugares e replicar presencialmente as imagens que eles me fizeram quando pedi. Repetir essas imagens junto com eles na medida em que além de mim, eles também fossem completando seus ciclos de vacinação. Como havia uma insegurança tremenda quanto a prazos pra vacinação no país, achei que seria interessante também porque esse intervalo de tempo acabaria mostrando muitas coisas. Eu não me vejo seguro ainda pra fazer diversas coisas que fazia em termos de foto. Ainda deve levar um tempo pra retomar as atividades no formato que usava antes de tudo isso começar", explica.

"Leia o Perfil" - a primeira exposição de Shaffer, realizada em 2017 no Centro Cultural Olido, em São Paulo. Um pouco de liberdade em meio à onda conservadora

Muitos participantes das fotos são artistas, provocadores cênicos, provocadores visuais, naturistas. Isso potencializa alguns ensaios por deixar a experiência fotográfica saindo à flor da pele, saltando do papel fotográfico ou da tela do computador para o imaginário do público que consome esse produto. A interatividade é o grande mote das propostas. Se engana quem pensa que todos os movimentos e cliques são friamente calculados. O encontro sim é planejado, bem como uma conversa prévia com o modelo. Porém, o risco do novo e a efemeridade do momento contribuem para que cada imagem seja fresca, essencial, necessária.


"A idéia central é a criação de vínculos. Depois do primeiro passo, da subversão do uso dos apps, vem a fase das conversas. Eu geralmente começo perguntando 'Onde você aproveitaria pra fazer foto sem roupa, se pudesse escolher qualquer lugar?', e daí, a partir do que me respondem, vou escavando os porquês de cada resposta, e das respostas a cada novo tema que vai surgindo. Esse processo, de ir tirando as camadas dessa cebola, acaba por criar uma relação interessante, tanto de descoberta do outro, quanto de descoberta de aspectos meus pra os quais eu não havia dado atenção. Quase tudo que eu faço não tem lá muito planejamento prévio. Geralmente vem uma idéia central e ela vai se desenvolvendo na medida em que vai sendo explorada. Talvez pelo fato de o trabalho muitas vezes ter um aspecto ritualístico na produção isso dê a entender que houve muito planejamento prévio, mas não é bem assim..."

Ideias em torno de situações de desamparo, isolamento e perigo iminente geraram este ensaio/ 2018

As fotografias noturnas do Light Traping serviram de inspiração para um filme homônimo dirigido por Márcio Miranda. A ideia para o curta surgiu através de histórias que Shaffer contava para o diretor. Ele costurou algumas histórias ditas pelo fotógrafo e inseriu uma tensão na narrativa: transformou a figura do fotógrafo num cara vivido e fez a contraposição com um rapaz inexperiente e inseguro. O filme foi exibido em diversos festivas a partir de 2016.

Ensaio realizado numa cervejaria abandonada na antiga Berlim Oriental/ 2016

Ao visitar o site Light Trapping, o público percebe que o importante não é entender a ordem lógica ou cronológica dos ensaios fotográficos. A pesquisa, a provocação está em não precisar conceiturar tanto a experiência do encontro entre o fotógrafo e modelo. É algo parecido com os sonhos. Cada noite você sonha com uma coisa e, se um dia precisar ou tentar colocar muitos desses sonhos em sequência, pode até ser que surja um padrão, uma estória por cima desses fragmentos. No mais, é importante alertar só uma coisa: Acesse sem moderação!


Para conhecer melhor o trabalho de Shaffer, o público da internet tem dois caminhos a seguir: O das redes sociais (com alguns trabalhos expostos dentro do que é permitido) e do site Light Trapping, que conta com ensaios na íntegra, além de links de entrevistas e breves explicações sobre os ensaios disponibilizadas em português e inglês. Siga, conheça, investigue! É a arte contemporânea querendo dialogar com você agora.


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