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PRECISAMOS FALAR DE... FRANÇOISE FORTON

Ela já foi Tetê, Helena, Clarice, Meg, Eugênia, Gigi e, agora, Olympia de "Amor sem Igual". Ex-aluna da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, Françoise Forton é, sem dúvida, parte da história do teatro e da televisão no Brasil.

Montagem sobre foto de Blad Meneghel

Em 2010, quando estava prestes a terminar minha graduação, pedi ajuda a diferentes profissionais que haviam se formado na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes para me falarem de suas experiências. Françoise Forton foi generosa e me cedeu uma longa entrevista no apartamento de sua família. Agora, anos depois, compartilho publicamente o que esteve registrado apenas nas páginas da monografia, intitulada "O ensino de teatro da Faculdade Dulcina e o diálogo com o mercado da telenovela”.


A atriz e diretora tinha formação em Bacharelado pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (1981 a 1984). Cursou também faculdade de cinema no Rio de Janeiro. Francoise já trabalhava com teatro e televisão em meados dos anos 1970. Atuou em espetáculos em Brasília e nas telenovelas Fogo sobre terra (Globo, 1974), Cuca Legal (Globo, 1975) e Estúpido Cupido (Globo, 1976). Sobre sua trajetória de sucesso, Françoise revela que fez oito anos de teatro em Brasília. Mas voltemos um pouco no tempo...

Reprodução do Blog - Astros em Revistas

Aos 11 anos de idade, estreou tem em teatro profissional na peça Pais Abstratos, com Glauce Rocha, sua grande inspiração de estudos. Aos 18 anos teve o que chama de “brasilite” e não queria ficar e trabalhar apenas na capital. Foi para o Rio de Janeiro e passou a viver sob a tutela de Glauce Rocha, que faleceu um tempo depois.


“Me senti perdida, até que B. de Paiva tornou-se meu tutor. No Rio, trabalhei em boutique e encontrei uma agência de modelos que aceitava atores. Eu não via novelas. Conhecia, mas não era fã. Um dia substitui uma atriz na série A Grande Família. Alguém da produção me viu, não sei, e fui apresentada a Chico Anysio. Passei a gravar alguns quadros de seu programa e juntar pequenos cachês. Chico me profetizou um dia: ‘Vão te chamar para a novela.’! Recebi um telegrama e fui ao departamento de elenco. Recebi duas cenas pra decorar e fui embora desesperada. Sem saber se tinha passado, depois de alguns dias fui apresentada pelo Walter Avancini (o diretor do teste) à Janete Clair, a autora. Pra mim, Janete era a melhor. Ela era da era do folhetim e não tinha pudor de fazer novela. Hoje vejo Glória Perez e Manoel Carlos como ótimos exemplos de autores de novelas.”


Françoise foi aprovada para fazer a novela Fogo Sobre Terra e estranhou muito toda a técnica. De acordo com ela, na TV não há troca de energia com espectador. Diferente do teatro, onde o público alimenta o intérprete, na TV os atores precisam encontrar outros estímulos. Sobre a estreia em Fogo sobre Terra, a atriz revela:


“Janete Clair conversou comigo e eu soube o nome da minha personagem: Estrada de Ferro Santos de Matos. Achei muito engraçado. Minha irmã menor chamava-se Rodoviária. Sofri muito no começo com a postura porque eu fazia balé e a personagem era muito pobre e tinha outra colocação corporal… Assistia muito às gravações de cenas de outros atores e até o processo de maquiagem. Como só as grandes estrelas eram maquiadas, eu mesma tive que aprender a me maquiar. E era uma maquiagem tão carregada, os pankakes eram fortíssimos. Naquela época era possível saber se a gravação estava sendo de plano aberto, fechado ou close, pois a cada mudança de lente da câmera havia um barulho dela mesma. Mas eu nem ligava, pois pensava somente em atuar. Não tinha ideia de qual ângulo iria pro ar. O Walter Avancini nos instigava muito. Ele dizia: ‘Ator meu não entra com texto na mão. Ator que vem ensaiar tem que estar pronto e maquiado. Se você quer ser atriz é comigo mesmo. Estrela não é comigo!’. Aprendi isso com Avancini e levo pra vida. Se a cena era com personagens sujos, nós realmente tínhamos que rolar no barro ou na lama. Isso é interpretar, sabe?”.


Após participar de Fogo Sobre Terra, Françoise foi contratada pela TV Globo para atuar na nova novela das sete da emissora, Estúpido Cupido, de Mario Prata. O sucesso da telenovela junto ao público foi imediato, transformando a trama em coqueluche nacional.

Estúpido Cupido - 1977

“Quando o Mário Prata, o autor, me disse que no final da novela a personagem Maria Teresa se tornaria Miss Brasil eu não concordei. Achei abusivo. Que fosse Miss São Paulo, mas Miss Brasil, não. Ele concordou com o que eu disse. No dia da gravação do final de Maria Teresa, ensaiei a revelação da Miss Brasil que seria anunciada e eu, pensando que seria conforme os ensaios com as verdadeiras candidatas, nem imaginei que tudo estava organizado na cabeça do autor. Milhares de pessoas lotaram o Maracanãzinho e quando anunciaram a Miss Brasil daquele ano tremi ao escutar. Era eu mesma. Como tremi, como chorei, como fiquei assustada. Era vida real e novela ao mesmo tempo. O roteiro original entregue ao elenco fora modificado por Mário Prata. Foi uma surpresa.”


Após alcançar popularidade e fama, Françoise precisou voltar à Brasília para tratar de assuntos pessoais. Nesta época, soube, através de B. de Paiva, que Dulcina de Moraes estava por inaugurar sua faculdade de arte na capital. Segundo Françoise, apesar de já possuir conhecimento sobre as obras de Stanislavski e ter considerável experiência em teatro e televisão, foi na Faculdade Dulcina onde aprendeu importantes ensinamentos sobre interpretação. Já formada em bacharelado em Artes Cênicas, Françoise regressou ao Rio de Janeiro para dar continuidade ao seu trabalho de atriz.


“Formei-me e fui chamada pelo Roberto Talma para fazer a novela Maçã do Amor, na BAND. No Rio de Janeiro, trabalhei no grupo Fodidos Privilegiados, do Abujamra. Nossos espetáculos eram vistos mais pelos críticos e intelectuais do que pelo grande público, a princípio. Tínhamos este nome de grupo porque éramos atores que volta e meia faziam campanhas publicitárias, novelas, filmes, mas pensando sempre em teatro como atividade central. Embora fizéssemos esses trabalhos paralelos que nos sustentava por fora, não tínhamos dinheiro para manter o grupo. Por isso Fodidos Privilegiados. Era teatro, teatro e teatro.”

Bebê a Bordo - Cuca Legal - Explode Coração - Por Amor

Após regressar ao teatro e televisão no Rio de Janeiro, a atriz participou de telenovelas de sucesso da televisão brasileira, como Bebê a bordo (Globo, 1988/1989), Tieta (Globo, 1989/1990), Meu bem, Meu mal (Globo, 1990/1991), Quatro por Quatro (Globo, 1994/1995), Por amor (Globo, 1997/1998), Ribeirão do Tempo (Record, 2010), Amor à Vida (Globo, 2013), Tempo de Amar (Globo, 2018) e Amor sem Igual (Record TV, 2020).


Sobre a personagem Meg Trajano de Por Amor, exibida recentemente no Vale a pena ver de novo, a atriz conta que se sentiu desafiada pela comédia. Meg tinha uma cadelinha, que, a princípio, teria que ficar num hotel para cães, pois o dono iria viajar. No período de gravações, Françoise fez questão de cuidar dela durante os meses de gravação da novela:


“Era muito engraçado. Estabeleci uma relação de confiança com ela. Mesmo na tevê você tem que pensar em construção da personagem. Ficar com a cadela neste período me ajudava, de certa forma. Frequentei eventos da alta sociedade, festas, tudo pensando na relação dessa personagem. Sou muito grata a Manoel Carlos. Pude compor a personagem de maneira quase teatral e ainda sugeri a ele que Meg mostrasse seus dotes de cantora lírica (pois eu já fazia isso em Brasília). Maneco aceitou e isso foi introduzido à trama. Era uma comédia!”.


Na ocasião da entrevista, como formando da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, busquei a ajuda de profissionais como Deo Garcez e Françoise Forton justamente porque precisava de uma visão de ex-alunos da faculdade que aliavam os trabalhos em teatro e televisão. Eu buscava por inspirações e os dois sempre estiveram em meu imaginário. Françoise fez muitos outros trabalhos em teatro e televisão depois dessa pesquisa para a monografia. Quando obtive a nota, imprimi o trabalho final e fiz questão de entregá-lo à atriz após uma peça sua no Rio de Janeiro.


Anos atrás, fez parte do time de atrizes que interpretaram o papel de Dulcina de Moraes no documentário especial sobre a dama do teatro dirigido por Glória Teixeira. O filme passou no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Na ocasião, cedi ao filme alguns arquivos de vídeo de antigas entrevistas de Dulcina, que estavam sob meus cuidados. É a vida ligando a gente sem a gente saber…


Fica então o sentimento de gratidão à atriz e ao meu orientador, o diretor e jornalista Sergio Maggio, que nos colocou em contato. São doze anos de diferença entre a entrevista e esta publicação. Já não é mais a visão de um estudante de artes que almejava aliar teatro e TV, mas sim visão de um ator de teatro e televisão que é muito feliz com as escolhas e com os encontros que teve na vida.

Acervo Pessoal - Josuel Junior

A atriz havia informado na entrevista que nos anos 1980 precisou se afastar da novela "Tieta" por causa do tratamento de um câncer, o que a fez sair e voltar à trama algumas vezes. O diretor de núcleo da novela, Paulo Ubiratan, compreendeu a questão e a poupou. Como forma de compensação e generosidade, a presenteou, então, com um novo papel dois anos depois, dessa vez na novela "Meu bem, meu mal".


Françoise morreu neste domingo, 16 de janeiro de 2022, após quatro meses internada lutando contra o câncer. Ela deixa marido, filho e um importante legado no teatro, no cinema e na televisão.


Obrigado, Françoise!

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