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Josuel Junior - Editoria

POR QUE "LUA CHEIA DE AMOR" NÃO É UMA NOVELA TÃO LEMBRADA?

Aguardada por noveleiros mais atentos, a novela "Lua cheia de amor" entrou no catálogo do Globoplay há um mês. Após maratonar os 191 capítulos, deu pra constatar que a novela é bonitinha, mas não é tão boa assim.

Uma novela mediana, sem grandes picos dramáticos, sem pontos de clímax, com ganchos até bons nos finais dos capítulos, mas com uma técnica dramatúrgica que cansa os telespectadores mais atentos logo no início. "Lua cheia de amor" caiu no campo das novelas cults por nunca ter sido reapresentada, mas, de verdade... Não há nada de excepcional.


Irei explicar:


A novela escrita por Ana Maria Moretzsohn, Maria Carmen Barbosa e Ricardo Linhares é bem simpática. Logo nas chamadas de estreia dava pra perceber que tratava-se de uma novela com forte apelo popular: Uma protagonista feirante em busca do marido desaparecido com dois filhos ingratos que têm vergonha do jeito simples da mãe; Uma alpinista social louca para entrar na alta sociedade; Um jovem herdeiro idealista que brinca de pobre para se sentir menos culpado pelo patriarcado. Essa tríade dramática era a base de "Lua cheia de amor".

A trama começou interessante, divertida e leve, mas nada se sustentou por muito tempo. Aliás, algo que incomodava bastante foi sustentado até demais... Os erros de português da feirante Genú (Marília Pêra) eram muito chatos. São erros difíceis de serem aceitos porque as camadas populares, mesmo com menor acesso ao estudo no início dos anos 1990, não falavam de maneira tão vulgar assim. E isso foi utilizado como artifício de humor. Curiosamente, foi isso que fez a gente implicar com a personagem. Estava claro que a ideia era mostrar a ingratidão dos filhos para com a mãe batalhadora, mas na novela ninguém tinha paciência com o jeito errado de Genu falar. Ela não era levada a sério por ninguém e nós, espectadores, também ficamos sem paciência. Chegava a ser uma visão estereotipada demais. Isso, de modo algum, diminui o brilhante trabalho e a presença cênica de Marília Pêra, porém, denota aí um vacilo de roteiro e de direção.


Faltava esmero. Faltava um tratamento fino à questão estética da novela. E isso começava logo na abertura. Até o capítulo 70, mais ou menos, foi utilizada uma versão acelerada da vinheta que deixava tudo grosseiro, mal acabado, com a impressão de que a arte estava em processo de renderização ainda. Ao que parece, fizeram a abertura no tempo normal e, para caber nos versos de "La Miranda", canção de Rita Lee e Roberto de Carvalho, aceleraram ela. Ficou feio mesmo. Uma abertura rápida onde nem era possível ler os créditos. Do capítulo 70 em diante, a vinheta ganha cor, saturação e fica mais lenta com a retirada de takes excessivos, deixando o acabamento mais leve. Isso mostra também a mudança de fase da história, que passa a ser mais lenta. Creio que teve ali uma mudança de direção também.

Outra coisa que incomoda muito nos primeiros capítulos é a enganação dos ganchos junto ao público. Os finais de capítulos eram interessantes, mas no primeiro bloco do capítulo seguinte o que gerou o pico dramático era desmentido - e o público sente isso como enganação. Esse método foi usado por toda a novela.


No começo, houve uma tentativa dos autores em formar casais para o público torcer. Foi trabalho demais pra efeito de menos. Flávia e Rodrigo são exemplois disso. O casal pouco simpático interpretado por Renata Laviola e Roberto Bataglin gastou muito tempo pra algo que, de cara, já não colou. E outro grande problema na mão dos autores foi por um moço legal como Augusto (Maurício Mattar) insistindo num romance com Mercedes (Isabela Garcia). O público não conseguiu gostar da personagem desde o começo e durante toda a novela foram criadas tentativas de texto para transformá-la em heroína. Nenhuma (nenhuma) foi bem sucedida. Ou seja: tivemos como protagonista jovem uma personagem para a qual o público não torcia. E isso foi insistido até onde deu. Quando, na fase final da novela, Mercedes defende a frágil Isabela (Drica Moraes) durante a cena de uma tentativa de homicídio, o público já não tinha defesa alguma (nem pra Mercedes, nem pra Isabela - que eram personagens que não ganharam tanto afeto do público).


Isabela era a irmã de Augusto - os dois herdeiros da família Souto Maia. Ela era uma moça cleptomaníaca e isso até gerou bons enredos no começo da trama. Depois passou a ser assediada por Wagner, publicitário inescrupuloso interpretado por Mario Gomes, ela se tornou vítima de uma série de armações do vilão. Só que ele era vilão de uma parte da novela apenas... Sua ambição era ser membro dos Souto Maia, mas isso não se expandiu para toda a novela. E o que isso significa? Que a novela fica sem vilão, sem algoz. Isso não sustenta uma boa trama. Sendo bem calculista, fica claro que a novela escrita por três autores teve vacilos de personagens que não cruzaram por todos os núcleos, afinal... o vilão precisa atingir diretamente os protagonistas e não os coadjuvantes. Não deu outra... caiu no esquecimento.

Outro grave problema da novela foi a falta de força do retorno de Diego Miranda (Francisco Cuoco). A ausência dele no início da novela é o grande marco da protagonista Genú. Até pra Espanha ela vai em busca de notícia do marido sumido. Quaaaando ele aparece (lá pelo capítulo 70) é até interessante. Gera um estranhamento bom. Só que a personalidade dele mudou muito durante a trama. Isso denota o quê? Que três autores escreveram a novela juntos e que os núcleos foram, provavelmente, dirigidos por mais de um diretor. Veja bem... a direção de núcleo era de Roberto Talma, mas a direção de cena foi distribuída por José Carlos Pieri, Flávio Colatrello e Fred Confalonieri. Teve uma baguncinha em algum momento aí.


Diego surge como Esteban Garcia, um espanhol que é garçom e que, doente, vive com Maria Cecília (Norma Blum). Só que a coisa fica estranha. Quando Genú reencontra Diego ele está doente no hospital. Clímax Zero, meu povo! Genú tinha dois grandes sonhos na novela: Reencontrar Diego e comprar para si a loja de porceladas que um dia teve. O reencontro foi morno e a compra da loja também. Aí, do nada, Diego, que estava moribundo, volta cheio de razão, persuadindo personagens da história, mas sem força de texto e de direção. Cuoco foi muito criticado à época por isso. Tá certo que o ator, por vezes, era canastrão nas novelas, mas quando lembramos que a novela anterior dele foi "O Salvador da Pátria" e a seguinte foi "Deus nos Acuda", percebemos que em "Lua Cheia" não houve uma marca de Diego Miranda (diferente de Severo Blanco e Otto Bismarck). A impressão que dá é a de que o ator OU NÃO FOI DIGIRIDO em "Lua Cheia" ou foi DIRIGIDO POR DIFERENTES DIRETORES ao longo das gravações. Não tem força a personagem. E Diego tinha tudo pra ser o malandro vilão da história, pois esse sim passeou por TODOS OS NÚCLEOS da novela, gerando até um jogo de gato-e-rato interessante com Jordão (Carlos Zara) e Douglas (Rodolfo Bottino) em busca de uns dólares perdidos. A falta de força de Diego é o grande problema da novela porque o plot é ótimo: O marido sumido que, na verdade, era um bon-vivant, um malandrão sociopata.

O destaque mesmo é Kika Jordão (Arlete Salles num de seus melhores momentos na TV). A atriz tinha recém saído de uma personagem linda, que era a Carmosina de "Tieta", emplacando, consecutivamente, outra grande personagem. Tudo começou muito bem com Kika... O texto e a trilha de Lenine caíram como uma luva. Aliás, quem ficou responsável pelo roteiro exclusivo de Kika mandou bem. As tiradas de tempo e as piadas realmente eram muito boas. Por vezes, durante a maratona, me vi rindo das falas dela. No entanto, foi difícil gastar Kika por 191 capítulos. Na primeira fase da novela ela tinha adoração pela finérrima Laís Souto Maia (Suzana Vieira). Fazia de tudo para encontrá-la e nunca conseguia. Na segunda fase, Kika se sente injustiçada por não entrar na alta sociedade e passa a querer boicotar a vida da translumbrante Laís. Essa é a fase de barriga da novela. É engraçada, mas não sustenta a trama. A terceira fase é mais chata, embora ainda mantenha a vivacidade de Arlete. Kika está jogando aranhas na academia de Laís e é testemunha de um atentado à sua ídola. A alpinista social entra em choque e passa cerca de 20 capítulos aérea, delirante, fora do mundo real. Na trama, ela é a testemunha ocular do crime contra Laís e só revela ao delegado na última semana da novela. Em agradecimento, Laís Souto Maia promove um chá em homenagem à ela, abrindo as portas da alta sociedade para sua nova amiga. Por mais que a personagem tenha sido desgastada ao longo da novela, a trama dela foi a única que teve um começo, um meio e um fim bem amarradinhos.


E a novela é mesmo de Arlete Salles! Durante a maratona no Globoplay, recebi a visita de uma irmã que tinha assistido em 1991. Ao ver “Lua cheia de amor” passando na TV aqui do apartamento ela falou algo como: “Ahh, eu achava essa mulher muito boa! Tinha uma cena dela tomando sopa!” De fato, existe a cena. Ela passa no capítulo 179. Todas as contracenas de Arlete com Marília são ótimas.


Quando falo de Arlete, não tiro, de forma alguma, os elogios à Marília Pêra. Atriz de teatro, estava bombando no cinema na época da novela. O excesso de texto mediano no começo da trama mostra mais uma falta de sintonia entre autores e diretores do que desobediência da intérprete. Inclusive, acho que por ser uma atriz muito disciplinada ela fez exatamente o que a direção pedia... e a falha da novela está onde? Na direção e no texto, porque o elenco é muito bom.


O QUE FUNCIONOU EM LUA CHEIA DE AMOR?


A abertura – Mesmo acelerada e com acabamento ruim nos 70 primeiros capítulos, dá pra entender a ideia dos produtos paraguaios como atrativo popular de uma Carmen Miranda dona da muamba, dona quitanda.


A transformação de Genú – A gente sabe que passividade demais vira ranço por parte do público. A coisa ficou melhor quando a personagem passou a ser menos boba e ignorante;


Kika Jordão, a alpinista social – Trilha sonora de Lenine e os textos de Kika foram o ponto alto da novela. Geram risos de verdade. A mulher só consegue chegar onde quer no penúltimo capítulo. Dá uma dó!


O romance de Genú e Túlio (Geraldo Del Rey) – É bonito ver a amizade do casal virando amor. O que é chato é que Geraldo sai da novela no meio e em seu lugar Mauro Mendonça assume basicamente o papel que ele estava fazendo. Quando Geraldo retorna, a chama de romance entre eles fica morna.


A trilha Sonora Nacional – Realmente muito boa e bem aproveitada na novela. As músicas de Julio Iglesias, Lulu Santos, Paralamas do Sucesso, Ana Belen, Nico Rezende, Orlando Moraes e Lenine são as que mais tocam



O QUE NÃO FUNCIONOU EM LUA CHEIA DE AMOR?


Diego Miranda – Realmente, foi o retorno de personagem que mais podia causar frisson e que ficou perdido na história. Ele morre e desaparece tantas vezes que, quando parece que morre de verdade a gente nem liga mais;


O núcleo jovem – Meu Deus! Como eram chatos os núcleos jovens das novelas! Gastavam muito tempo em vídeo para nada;


O título – A novela podia se chamar qualquer coisa, menos “Lua Cheia de Amor”, que não diz nada sobre a trama. Até tentam em alguns capítulos falarem que a lua cheia está linda, que está cheia de amor... Mas sobre a novela mesmo o título não diz nada. Seria até mais digno ser algo como “Dona Genú”. Soaria mais honesto;

Os vilões – Diego Miranda não conseguiu assumir esse posto. Emília (Bete Mendes) até teve ares de vilã contra Genú por ser sua rival no comércio e amante do ex-marido, mas não rendeu até o fim. Sobrou para Mario Gomes, que foi vilão apenas para o núcleo da família Souto Maia, não gerando comoção alguma pelo público;


Os ganchos e pontos de clímax – Em quase todos os ganchos o público era “enganado” no capítulo seguinte com uma situação banal que justificava a tensão anterior;


Esoterismo - A tentativa de solucionar problemas de roteiro com o esoterismo de Túlio. Do nada, o cara que lê cartas, vira terapeuta de Isabela para justificar suas inquietações. Forçaram a barra nisso;


A Trilha Sonora Internacional – Tem bons hits, mas subaproveitados na novela.



Quem é mais velho e assistiu a novela em 1990/1991 percebeu também outro agravante: Era um remake disfarçado de "Dona Xepa" feito num período em que não dava pra ter tanta saudade de "Dona Xepa". A nível de informação, vamos lá: "Dona Xepa" é uma peça de Pedro Bloch que inspirou uma versão na TV assinada por Gilberto Braga em 1977. Na história, a feirante (de verduras e legumes) também lidava com a ingratidão de filhos ambiciosos. No entanto, "Dona Xepa" (a novela) foi reapresentada no Vale a pena ver de novo em 1980. Ou seja, minha gente: não deu nem tempo de a novela dar saudade pra fazerem uma versão com uma feirante de panelas. É algo parecido com a nova versão de "Irmãos Coragem" que foi lançada como grande homenagem à uma novela muito, muito antiga. De fato, "Irmãos Coragem" era antiga em 1995. O que muita gente não lembra é que a versão original tinha passado 5 anos antes à tarde na Globo. Mesmo "antiga" era fresca na cabeça do público. A história ainda ganhou nova versão na Record TV em 2013, mas sem muita repercussão.


Valeu a pena ver de novo? Valeu! É uma novela fácil de maratonar, pois os capítulos são curtos. Há uma fase entre os capítulos 70 e 100 em que muita coisa se arrasta sem precisão. Depois ela ganha pique e volta a ficar lenta entre os capítulos 150 e 180. A gente nem percebe direito quando Genú deixa de ser feirante porque a lentidão vai cansando um pouco o público.


Não se trata de uma novela ruim. É uma novela mediana que, em alguns núcleos, tem o texto frágil (bem frágil). O excesso de diretores também transforma a história numa colcha de retalhos com muitas discrepâncias estéticas, conceituais e narrativas. Não soa tão ruim porque a novela brinca um pouco com isso também. Vai do brega ao chique muito rápido. Só que tem algo... Não sei direito como dizer isso... Mas tem uma impressão que fica: A impressão de que Marília Pêra não se divertiu fazendo a novela. Isso (essa sensação), querendo ou não, reverbera na cena.


Hoje entendo que não seria uma novela popular no Vale a pena ver de novo e talvez até no Canal Viva. Foi bom rever pela curiosidade de um passado que nem é tão antigo, mas que, por ser tão pouco revisitado ou relembrado, ficou mesmo num campo mais cult dentro da teledramaturgia brasileira.


Assista, mas não vá com muita sede ao pote!

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