Trio de cantoras fez muito sucesso no começo da década passada quando sua história foi contada em filmes. Foram muitos os shows, prêmios e entrevistas. Mas como estão hoje as irmãs que encantaram tanto os brasileiros? Confira na exclusiva do Portal Conteúdo!
Maroca, Poroca e Indaiá - Irmãs que tiveram uma vida dura. Cegas de nascença, trabalharam muito na lavoura quando crianças e foram usadas como mão de obra temporária pelo próprio pai, que era alcoólatra. Para ajudar no sustento de casa, passaram a pedir esmolas nas esquinas de Campina Grande, estado da Paraíba. Com guizás na mão e vontade de viver, elas passaram a cantar emboladas, cantigas e cocos e se tornaram figuras cativas da região. Não havia quem não as conhecesse. Por mais bonito e poético que isso possa parecer, não se engane... Elas tiveram que batalhar muito para sobreviver num período em que o preconceito contra cegos e pedintes de rua era extremamente forte. O canto delas ajudava no sustento de mais de 10 pessoas da família. E essa vida familiar também não foi das melhores. Abusos e privações de liberdade, lazer e tranquilidade transformaram essas três mulheres pequeninas em guerreiras de si mesmo. Uma por todas, todas por uma!
Com o tempo, o fato das três sempre estarem juntas chamou a atenção dos moradores e também da imprensa. Ao longo dos anos, era comum ver reportagens sobre elas nos mais diferentes veículos.
No ano de 1997, as três irmãs foram levadas pelo cineasta Roberto Berliner para uma apresentação no programa "Som da Rua", da TVE. Em seguida, com as imagens captadas para o programa, ele montou um documentário em forma de curta-metragem chamado "A pessoa é para o que nasce", lançado em 1998.
"A pessoa é para o que nasce" é uma licença poética de uma fala de Maroca, uma das irmãs. Em determinado momento da entrevista, ela diz que cada pessoa tem sua sina... Que cada pessoa "é para o que nasce", tentando justificar sua própria condição de vida. Bonito, mas igualmente triste.
Em 2004, o curta virou longa-metragem e uma equipe maior passou a acompanhar a vida delas 24 horas por dia. O filme é incrível. Doloroso, poético, engraçado, pesado e leve ao mesmo tempo. Uma espécie de relicário. Nele, o diretor Roberto Berliner, explorou as histórias de cada uma das irmãs e mostrou como era o convívio famíliar delas, sempre com músicas que costuravam a trama como uma colcha de retalhos.
Com a empolgação do filme, elas fizeram turnês por todo o país. Suas músicas foram regravadas num CD especial por Pato Fu, Lenine, Gilberto Gil, Paralamas do Sucesso, entre outros. O êxito foi todo registrado no filme. Elas se divertiam nos pontos turísticos, nos hotéis, nos camarins. O reconhecimento as fez receber o Prêmio da Ordem de Mérito Cultural pelas mãos do então presidente Lula. Até de novela elas participaram. "América" (2005), de Glória Perez, tinha um núcleo com personagens cegas. As irmãs participaram de um dos capítulos da trama mostrando suas canções. Enfim... O típico sonho de mudar de vida que ali estava sendo realizado e estampado nas telas. Com o dinheiro arrecadado com o filme e a venda de discos, as Ceguinhas de Campina Grande conseguiram comprar uma casinha para viverem com mais conforto.
Eu mesmo assisti ao filme e me encantei profundamente pela história delas. Chorei, sorri e fiquei inconformado por não ter notícias atualizadas de nenhuma das três. Por um ano, busquei contato na internet, fiz buscas, mas sempre muito difícil. Até que em 2015 consegui falar com o administrador de uma recém criada página do Facebook. Aí começou minha história com as três meninas!
Lembra da história da casa? Pois é... Ledo engano. Depois do sucesso do filme, a vida delas se tornou mais difícil do que era antes. Viajei, então, a Campina Grande e fui procurá-las
Maroca, que era a líder do trio, comprou a casa para viver com a filha. A filha se desfez de todos os seus bens sem dó. Nem CD, nem filme, nem nada. Tudo que era de Maroca se perdeu. Por algum tempo, elas viveram numa espécie de cativeiro (isso mesmo... cativeiro). Sem acesso ao direito de ir e vir e com privações de alimentação, de salubridade e de conforto, aquele início de sonho de prosperidade perdeu a força. Uma das pessoas que eram tutoras delas na época do filme morreu. Sem a mínima assistência, restou o abandono, a ingratidão e a crueldade mesmo. Até a aposentadora dela havia sido confiscada. Soube disso por elas mesmas quando as visitei em 2015. Passamos a tarde falando dessas adversidades.
Pouco tempo depois, uma família, que era conhecida dessa tutora que havia morrido, se prontificou a cuidar das três. Foi na casa dessa família que pude conhecê-las. O que era pra ser uma visita para Maroca, Poroca e Indaiá acabou virando um almoço, que virou jantar, que virou churrasco no dia seguinte. Fui muito bem tratado por eles e nos tornamos amigos de verdade. Leonardo, filho do casal, foi quem me apresentou aos pontos turísticos locais.
Na casa da família, as meninas conseguiram, enfim, ter um tratamento digno e carinhoso. Tem quintal pra tomarem sol, camas ajeitadas, condições de uma boa alimentação e até a hora sagrada do dia, que é a da Ave Maria das seis da tarde no rádio da sala.
Como filmes que circulam em festivais possuem uma efervescência curta (até pelo tempo restrito de veiculação), Maroca, Poroca e Indaiá não tiveram royalites para receber, nem pelo filme, nem pelo CD. Os poucos shows que faziam eram em eventos locais. A maioria com caráter de homenagem ao trio e à cultura paraibana, mas nem sempre com cachê.
Ainda durante a visita, ouvindo as histórias delas, fui me apaixonando cada vez mais por tudo que me contaram. Uma das coisas que me arrepiam até hoje é uma fala de Maroca... Ela me disse que o momento do dia que ela mais gostava era o de dormir... porque dormindo ela, que era cega de nascença, via as cores das coisas. Ela sabia que a grama era verde, que o céu é azul. Não sabia explicar como, mas em sonho ela via o que seus olhos não puderam conhecer. Isso me arrebata toda vez que lembro.
FIquei então mexido e quis, de alguma maneira, contribuir para que a situação delas melhorasse. Como não tinha como ajudar mais prontamente, me prontifiquei a fazer, por um ano, a assessoria de imprensa delas, bem como a gestão de suas redes sociais (na época era o Facebook a mais forte). E surtiu efeito! As entrevistas voltaram, alguns convites para shows também e até participação em programa de televisão. De novo, elas sentiram a alegria e o som dos aplausos de plateias. Pouco tempo depois, através de uma indicação de Campina Grande, elas viajaram novamente a Brasília, onde moro, para receber outra medalha de honra ao mérito cultural, dessa vez pelas mãos de Dilma Roussef. Aqui em Brasília passeamos por diferentes pontos turísticos. Uma tarde inesquecível para mim.
Mas você deve estar se perguntando: E agora? Como elas estão?
Bem... O começo do que vou dizer muita gente sabe... Maroca, a líder do trio, morreu em março de 2017 após complicações decorrentes de um acidente vascular cerebral (AVC). A cantora tinha 72 anos. Foi uma triste notícia na época. A partir desse acontecimento, Poroca e Indaiá tiveram um longo período de luto, afinal, sempre foram muito unidas.
Aos poucos, foram voltando às apresentações de pequeno e médio porte. Porém, quem dava a marcação das canções e entoadas era Maroca. Para entender melhor isso, conversei com Leonardo Tavares, filho do casal de tutores Lenildo e Valquíria. Sobre essa questão, ele explica:
"Elas sentiram muito pela morte de Maroca, principalmente quando voltaram a cantar. Um mês após o ocorrido, elas queriam homenagear a irmã de alguma forma, mas sem a presença de Maroca faltava a condução da líder do grupo. Elas ficaram sem saber como continuar, mas as incentivei sempre. Eu dizia: agora entra Indaiá... Agora Poroca começa..."
Esse trabalho de direção artística não é a tôa. Leonardo Tavares é estudante de comunicação social. Por mais que tenhaoptado por jornalismo, sempre se viu mais confortável nos bastidores dos trabalhos dos quais participa como aluno da Universidade Federal de Campina Grande. É ele quem assumiu as redes sociais das irmãs e sempre que pode fala da história delas nas pesquisas pessoais.
Rentemente, inclusive, tem montado minidocumentários sobre as irmãs para apresentar como trabalho na faculdade. Os vídeos já começaram a ir para as redes, conquistando acessos de todo o Brasil pelo Youtube. Outra coincidência para a busca de notícia e o interesse sobre elas atualmente é que Juliette Freire, vencedora do BBB21, da Globo, citou as *Ceguinhas de Campina Grande dentro do programa quando falou sobre a cultura local de sua cidade.
Esse resgate feito por Leonardo é típico de quem tem noção do valor das manifestações culturais e artísticas populares. Ainda de acordo com ele, a presença e a vivência diárias com as cantoras é algo que passou a agregar valor ao seu trabalho, seja na academia ou fora dela. Sobre o isolamento social no período de pandemia, o jovem comenta:
"Para elas, o impacto da pandemia foi muito signiticativo, principalmente porque a gente sempre tentava levá-las para algum lugar, para algum passeio no parque, para um maior contato com a natureza. Com a pandemia, elas nunca mais tiveram esse contato direto com outras pessoas. A gente se adapta colocando músicas que elas gostam no som. Eu chego também com propostas de trabalho pra manter elas ativas. Elas gostam de cantar, de se sentir presentes. Sempre que estou em casa sento com as duas e digo: vamo cantar hoje! É uma forma delas se reconectarem com o passado. Isso é importante pra elas e pra gente também. "
**Recentemente, as irmãs fizeram parte do tradicional evento O Maior São João do Mundo, realizado em Campina Grande. No camarim, foram tietadas por Juliette e participaram de um encontro emocionante com a ex-BBB e cantora. Confira o encontro CLICANDO AQUI.
Agora, muito bem tratadas, Poroca e Indaiá estão com perspectivas para o futuro e querem dar continuidade aquilo que sempre viveram e passaram através de suas músicas. Estão tranquilas em questão ao isolamento necessário, mas querem voltar sim. Estão com gás pra mostrar sua arte a diferentes públicos.
Ahh... e já que é para encerrar essa história com mais uma notícia boa: As irmãs estão vacinadas e imunizadas contra a COVID-19
Viva Regina Barbosa, a Poroca!
Viva Francisca Conceição, Indaiá!
Viva pra sempre Maria das Neves, nossa saudosa Maroca!
Viva a cultura de Campina Grande!
Viva o SUS
Viva a cultura brasileira!
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Instagram: @asceguinhasdecampinagrande
*O Portal Conteúdo entende que o termo "Ceguinhas" é depreciativo e capacitista quando se referente a uma pessoa cega. No entanto, esse é o termo adotado pelo trio e pelos moradores de Campina Grande. O utilizamos nesta matéria em dois momentos: No título e no 18º parágrafo. No título, se faz necessário para que os fãs e admiradores das irmãs cantoras possam acessar esta reportagem nos meios de busca da internet com maior facilidade e associação ao que já é publicado sobre elas. Obviamente, com o tempo, é necessário ter uma maior atenção sobre o uso de termos ultrapassados e de cunho preconceituoso. Aqui, reproduzimos o que as próprias redes que gerem as cantoras assumem como "nome artístico".
**Matéria publicada em 19 de maio de 2021 e atualizada em 05 de julho de 2022.
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