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"BEBÊ A BORDO", A NOVELA MAIS DOIDA DA TV

Sucesso em 1988, a novela “Bebê a bordo”, de Carlos Lombardi, representou um novo conceito em narrativa do gênero na televisão.

Com uma linguagem ágil, rápida (e confusa, às vezes), a trama bebeu na fonte dos videoclipes a apostou num ritmo diferente dos folhetins da época. Uma novela feita pra não ser levada a sério, como numa grande chanchada pop para o público jovem. Atores se desconcentravam na gravação e a cena ia pro ar mesmo assim, figurantes e elenco de apoio interpretavam papeis diferentes apenas com uma troca de figurino, sem compromisso com continuidade ou narrativa, e piadas internas do set eram incorporadas ao texto propositalmente. Tudo isso transformou a novela num ícone da televisão brasileira.


Havia um bom casamento entre a anarquia narrativa e a ousadia de roteiro tradicional e melodramático. Diria até que ela se caracteriza como uma antinovela, pois apresentava o avesso de tudo que não se podia fazer naquele final dos anos 80.


Falando em anos 80, o horário das sete na época era o mais experimental de todos. Havia espaço para testar novas linguagens conceituais e estéticas para o público prioritariamente jovem. A exemplo disso, temos as antecessoras e sucessoras de “Bebê a bordo”:


“Brega e Chique”, comédia de Cassiano Gabus Mendes que brincava com a quebra de quarta parede em cena (quando o ator olha para a câmera e faz um comentário a respeito da cena que acabou de fazer);

“Sassaricando”, comédia louca de Silvio de Abreu que passeava entre o melodrama e o humor de quadrinhos.

“Que rei sou eu?”, clássico da comédia satírica que ironizava o país num contexto de capa-e-espada sob o texto de Cassiano Gabus Mendes.

SOBRE BEBÊ A BORDO

“Bebê a bordo” foi concebida para se chamar “Filha da mãe”, porém, o título foi considerado pesado demais. Em suma, a novela conta a história de uma adolescente que engravidou numa suposta orgia pós-festa e que não sabia quem é o pai da criança. Sem dinheiro, ela dá a criança, depois se arrepende, dá a criança de novo e depois se arrepende mais uma vez. Isso se repete até o final da novela. Enquanto ela está em fuga com sua filha, vai tentando descobrir quem pode ser o verdadeiro pai.


Paralela a essa trama da mãe e da filha, a novela mostrava o drama de uma personagem frígida que tinha sonhos eróticos com um radialista, que depois vira contrabandista, guia turístico, garçom, publicitário até que desiste da paixão e se torna uma mulher mais independente e empoderada .


No núcleo jovem, muito sexo (que na novela eles tratavam como “matar uns coelhos”). Havia um diálogo bem aberto sobre a independência sexual, a vontade de ficar com quem se quer. Nessa brincadeira, há um rodízio de personagens que se relacionam. O cara da pizzaria, a dona de casa, a menina rica, os irmãos punks, a sexóloga tarada… Para hoje, uma visão do que era o tal do “politicamente” incorreto.

A novela passou em 1988 e foi reprisada de maneira compacta no “Vale a pena ver de novo” em 1991. Até um dia voltou a passar na TV pelo Viva, canal pago do grupo Gloobosat, estreando em janeiro de 2018. E aí começaram as tretas… mas antes, vamos entender como funciona o mecanismo de uma reprise.

Em 2017, por exemplo, a audiência do canal esteve altíssima e no horário das 15h30, “Tieta” (1989) se tornou o produto mais assistido desde sua criação, em 2010. Porém, entre o fim de “Tieta” e o início de “Bebê a Bordo” houve um intervalo na programação geral da emissora, que exibiu sem repercussão uma minissérie. “Tieta” teve um engajamento nas redes Sociais de mais de 10.000 marcações com a hashtag da novela em seis meses de exibição. Já “Bebê a bordo” acumulou pouco mais de 300 inserções nas postagens dos internautas – o que denota uma considerável rejeição do público à trama.


Não se sabe ao certo o motivo dessa rejeição. Artistas participantes da novela, como Carla Marins, defenderam em suas redes sociais que o público encaretou e que novela sofreu censura por parte dos espectadores mais tradicionalistas. Espectadores menos engajados atribuem a falta de audiência pela história confusa, repetitiva e sem grandes picos dramáticos. Fãs da novela defenderam que mesmo sem sucesso expressivo, seria importante exibir na íntegra até o fim, já que essa é a proposta do canal.


Com a audiência em baixa e pouco engajamento da novela pelas redes (algo que influencia muito as campanhas, o Viva decidiu compactar a novela às pressas para acelerar seu final e retirar a trama do ar o quanto antes. Os telespectadores atentos, acostumados com um formato de exibição original, logo perceberam uma mudança brusca a partir do capítulo 90: ausência de numeração do capítulo, a troca do momento de inserção da abertura, a mudança na trilha da vinheta de intervalo e a extinção das cenas do próximo capítulo. Indignados, os fãs passaram a encher a página de Facebook da emissora exigindo explicações. O Viva soltou então um comunicado oficial confirmando a edição da novela e a opção do capítulo na íntegra apenas para os assinantes do Globosat Play (Hoje Canais Globo)


Fosse no “Vale a pena ver de novo”, isso seria normal, pois se uma novela não tem audiência satisfatória, a equipe de edição corta tudo mesmo. Novelas como “Roda de Fogo” (1986), “Deus nos acuda” (1992), “Tropicaliente” (1994), “Sete Pecados”, (2007). “Terra Nostra” (1999) e “Celebridade” (2003) foram mutiladas em sua versão exibida à tarde. Porém, no “Vale a pena”, as novelas são reclassificadas para o horário da tarde, com um público infanto-juvenil em maior evidência. “Celebridade”, que havia sido um grande sucesso em sua exibição original em 2003, sofreu grande rejeição de terminou muito antes do esperado. Só que o Viva promete outro conceito de exibição… resgata a obra na íntegra e disponibiliza digitalizada para o público.


Com “Bebê a bordo”, o assunto foi mais pesado. O Viva resumiu 11 capítulos em 5 capítulos desde o capítulo 90. Dos 209 originais, ficam apenas 132 condensados pelo Viva. A novela, que já tinha um ritmo de exibição frenético e pouco linear, ficou ainda mais acelerada e difícil de ser compreendida. Confusa mesmo. Foram exibidas todas as cenas principais seguidas uma da outra e isso faz o ritmo da trama se perder. Ficou confuso...


A autora Janete Clair disse certa vez que novela é como um novelo de lã desenrolado aos poucos. Essa fala dela explica muito bem o gênero. Para se caracterizar como uma novela é necessário ter cenas principais, cenas complementares, cenas de baixo impacto e assim a novela consegue se desenvolver. Dramaturgicamente, é necessário ter picos dramáticos e cenas puramente transitórias, para costurar e emendar a história. Por isso, existem núcleos diferentes. São os núcleos que ajudam a história a ter intervalos entre uma cena principal e outra. No caso da exibição cortada e acelerada de “Bebê a bordo”, éfoi cena principal atrás de cena principal, o que deixou a reprise muito elétrica e sem espaço para o público respirar… ou seja, ficou chata.


Na época, fiz a experiência de acompanhar a trama em maratona na internet… e no ritmo de compactação dos capítulos, consegui assistir, mas não consigui entender muita coisa.


Agora, com a novela disponibilizada na íntegra no Globoplay, é hora de o público injustiçado, enfim, rever a novela do jeito que sempre quis... O difícil será acompanhar de novo depois de pouquíssimo tempo.

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