Em um dos espaços mais icônicos do universo cultural de Brasília, o Teatro Dulcina, a história das artes cênicas e da grande dama do teatro brasileira será descortinada.
Os mitos, lendas e especulações sempre fizeram parte das histórias contadas sobre a dama do teatro brasileiro, Dulcina de Moraes. Por falta de registros documentais, muita coisa se perdeu com o tempo e muitos acontecimentos e relatos resultaram imprecisos, sem a clareza necessária que nos ajudasse a entender melhor esse ícone da dramaturgia e a construção do complexo cultural encravado no coração de Brasília e que gera tanto fascínio e estranhamento.
Dulcina de Moraes foi, sem dúvidas, uma das grandes atrizes brasileiras do século passado. Em entrevista, a consagrada e incontestável atriz Fernanda Montenegro se refere a Dulcina como “a maior personalidade das artes cênicas do século XX”.
Nascida em 1908, passou a fazer teatro ainda na adolescência com a Companhia Brasileira de Comédia de Viriato Correa. No final da década de 1920 se casou com o ator e empresário Odilon Azevedo e, juntos, criaram a Companhia Dulcina-Odilon, que se tornou a uma das mais badaladas da época.
Porém o grande sonho de Dulcina, que além de atuar era uma militante ativa na busca de reconhecimento e na evolução da classe artística, era abrir uma Fundação. Assim, em 1955, Odilon comprou o Teatro Regina, situado no Centro do Rio de Janeiro, trocou o nome para Teatro Dulcina e doou o empreendimento para que fosse possível criar a Fundação Brasileira de Teatro (FBT).
Ainda no Rio de Janeiro, a Fundação Brasileira de Teatro ajudou a formar importantes nomes das artes cênicas e com a morte de Odilon, em 1966, Dulcina decidiu mudar os rumos da vida e começou a preparar sua mudança para Brasília.
O começo da história no “Quadradinho”
Relatos dão conta que Dulcina foi recebida por Juscelino Kubitschek no Palácio do Planalto e permitiu que ela escolhesse um lote, no centro da nova capital, para transferir sua Fundação para o DF.
Dulcina então vendeu todo o patrimônio que tinha no Rio e, a partir de 1972, começou os preparativos para a construção do novo prédio, situado no SDS (o famoso CONIC). Documentos encontrados revelam que tanto a venda dos bens no Rio de Janeiro como a construção da sua Faculdade de Artes e do seu Teatro foram bem complicadas. Anos de negociação, muita confusão, empecilhos e a obra parada em diversas oportunidades, causaram desespero da atriz. Com tudo isso, só foi possível inaugurar o Teatro em 1980 e a Faculdade de Artes Dulcina de Moraes em 1981.
Do auge à decadência e a retomada
Nos 40 anos de existência, centenas de artistas saíram da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, licenciados e bacharéis em Artes Visuais, Cênicas e em Música. Entretanto, após uma série de irregularidades cometidas em algumas gestões, o espaço, que vivera anos de glórias, acabou envolvido em uma crise administrativa e um imbróglio jurídico que resultaram numa intervenção do Ministério Público.
Nos últimos seis meses, uma nova gestão assumiu a direção da Fundação Brasileira de Teatro com uma missão: “abrir os arquivos para contar”, como afirma seu presidente, Gilberto Rios, nome que a história da FBT conhece bem por sua atuação como Secretário-Executivo da Fundação Brasileira de Teatro e secretário pessoal de Dulcina, naqueles tempos áureos da década de 1980 em que a atriz ainda atuava como professora com vitalidade invejável.
A história nunca antes revelada
Com a missão de trazer à luz e revelar ao público todo o acervo e os arquivos guardados a sete chaves, a atual gestão convidou um grupo de pesquisadores e colaboradores voluntários, liderados pelo Diretor do Centro Cultural da FBT, Josuel Junior, para desvendar em baús centenários, armários antigos, gavetas e passagens secretas do Teatro Dulcina caixas e mais caixas de documentos, lacradas com fita adesiva e expostas à poeira e às baratas, que já revelaram verdadeiros tesouros em seus interiores.
Até o momento, mais de 3 mil vestidos, dezenas, talvez, algumas centenas de sapatos, luvas e chapéus, além de manequins, adereços cênicos, perucas, diários pessoais, manuscritos e documentos que revelam uma Dulcina muito diferente daquela presença altiva que cruzava os corredores exalando seu perfume inebriante.
A primeira surpresa foi encontrar fotos pessoais tiradas em casa, algumas ainda em negativos; registros em 3x4; passaportes; cartão de votação e a carteira de trabalho revelando seus ofícios remunerados há mais de 70 anos. Estão no acervo também documentos conhecidos, como o Registro Profissional de Dulcina como Artista e Técnica de Teatro. É sabido, por exemplo, que ela foi uma das muitas artistas que travou heroicas batalhas pela regulamentação da profissão de artista. Lembremos que, até meados da década de 70, artistas ainda tinha seus ofícios confundidos como os de profissionais do sexo ou trabalhadores da noite.
Foram encontrados ainda uma coleção de óculos, cílios postiços, troféus, condecorações, medalhas, bobs de cabelo, espelharia, estojos de maquiagem e até o último sabonete usado pela artista retirado do seu apartamento na SQS 111 por ocasião de sua morte em 1996.
Todo esse material tem sido aberto, revelado, organizado e higienizado por uma equipe corajosa que entrou nos calabouços do prédio para garimpar o que poderia ser históricos para que nada mais se perca com o tempo.
Um dos artigos raros encontrados é o diário de Odilon Azevedo quando jovem. São recortes de jornais, poemas, trechos de contos escritos em nanquim. O diário data de 1920 a 1926 e possui cartas importantíssimas, como a de Monteiro Lobato escrita a nanquim para Odilon. Além dessa relíquia, há bilhetes carinhosos, telegramas, cartas e recadinhos privados de nomes como Dina Sfat, Fernanda Montenegro, Clara Nunes, Bibi Ferreira, Maria Jacinta, entre muitos outros.
Há documentos ocultos, por exemplo, que explicam as dificuldades, boicotes e passo a passo da construção do edifício. Os diários de Dulcina datam de 1977 a 1982 e dão luz a assuntos nunca antes falados abertamente e abordados de maneira honesta, como o cansaço que sentiu após um dia de reuniões com o Presidente Figueiredo, a recusa de patrocínios, o medo das poltronas do teatro não chegarem a tempo da montagem e da apresentação do primeiro espetáculo, a ansiedade em decorar um texto para a última peça, entre outras histórias.
Da escuridão nasce a luz
O maior desafio da equipe que vem repaginando o acervo tem sido o da digitalização de parte dessas peças. O prédio da FBT está sem energia elétrica desde o começo da pandemia mas, o problema da luz parece não ser uma novidade.
Em uma pasta foram encontrados cartazes anunciando que a faculdade estava com as contas de luz atrasadas desde 1998. O que indica uma má gestão seguida da outra que não cumpriu acordos de refinanciamento de dívidas com a CEB e, a cada nova gestão, novos acordos tentaram solucionar a, uma vez que as anteriores sempre saíam mal da história.
A atual gestão da FBT, que conta com a participação de membros de um coletivo chamado “Herdeir@s de Dulcina”, vem imprimindo rigor e transparência nas suas ações, buscando a solução das pendências jurídicas e financeiras para com isso, conquistar a confiança necessária junto aos credores. O maior desafio do atual presidente da FBT, Gilberto Rios, é obter credibilidade do empresariado para que a FBT volte a ser fonte segura de investimentos.
A nova gestão da FBT está mobilizada para ser recebida pela diretoria da Neoenergia para que o cálculo da dívida seja atualizado e negociado, pois a ausência de luz é um dos principais desafios para que a Faculdade e o Teatro possam ter recursos para existir, tanto no segmento de educação, quanto no segmento de produção cultural.
O show não pode parar
Enquanto isso não acontece, os gestores da FBT arregaçam as mangas na procura de parcerias culturais para que as obras e objetos encontrados possam ser devidamente catalogados, restaurados, preservados e colocados à mostra para o grande público.
“Esse acervo não corresponde apenas à história do teatro brasiliense ou carioca, por onde passou a história de Dulcina. Trata-se da história do teatro brasileiro - uma história que não pode estar guardada e escondida em baús improvisados”. Josuel Junior – Diretor do Centro Cultural da FBT
Responsável pela conservação e gestão do acervo pessoal e da memória de Dulcina de Moraes, a Fundação Brasileira de Teatro, está desenvolvendo com ex-alunos, artistas de Brasília, do Rio de Janeiro, pesquisadores, estudantes de arte e sociedade estudos para a realização de projetos para a criação de espetáculo teatral a partir dos Diários de Dulcina, exposição itinerante por espaços culturais do DF e, futuramente, do Brasil, um web-documentário e outros projetos relativos ao acervo original que, por anos, foi negligenciado.
DIRETORIA EXECUTIVA DA FUNDAÇÃO BRASILEIRA DE TEATRO
PRESIDENTE: Gilberto Rios
SECRETÁRIO EXECUTIVO: Roberto Neiva
DIRETOR ADMINISTRATIVO: Miguel Alves
DIRETOR DO CENTRO CULTURAL FBT: Josuel Junior
GESTORA FINANCEIRA: Vivien de Lima
Contato:
Miguel Alves - 61 99133-0032
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