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A FORÇA E A BELEZA DO PROJETO GIZ, DE RAFAEL AGUIAR

Ao longo de três meses, o Portal Conteúdo irá realizar uma série de reportagens sobre trabalhos fotográficos e de ilustrações que retratam o corpo humano e suas manifestações artísticas. Num momento em que a nudez e as manifestações do corpo tornam-se alvo de uma frente conservadora, embarcamos no contrafluxo, falando ainda mais sobre sexualidade, diversidade e liberdade de expressão. Hoje, a pauta é o Projeto GIZ, de Rafael Aguiar.

Flavio Souza e Will Barcelos - Arte sobre fotos de Rafael Aguiar

Existem projetos audaciosos que duram o tempo de uma estação e existem projetos audaciosos que se mantêm firmes e intensos, mesmo com o passar dos anos. É o caso do Projeto GIZ, um ensaio fotográfico de Rafael Aguiar que teve início em 2014.


Resumidamente, o Projeto GIZ é uma manifestação artística onde a pessoa se despe e interage com o próprio desenho feito em giz numa parede. Durante a sessão de fotos, Rafael tem como meta captar a liberdade de Ser, Agir e Pensar. Só que isso é só um resumo... O projeto em si é muito mais do que uma definição curta e teórica. É uma provocação à caretice, à censura que impera nas entrelinhas do Brasil e uma ode ao corpo humano como instrumento de reflexão poética.

Esse projeto, assertivo desde a matriz, volta e meia, vem à tona através de postagens dos vários modelos que participaram das sessões e dos #tbt's das redes sociais.


Aliás, faz tempo que eu conheço esse trabalho de Rafael Aguiar e um outro incrível, chamado "Imaculados". No caso do GIZ, uma coisa que gosto que é a exposição de intimidades dentro de um mesmo projeto, mas de maneiras diferentes, respeitando o ritmo e as características dos modelos participantes. Talvez isso seja a grande sacada da proposta. Há desde fotos mais introspectivas a desenhos, poses e composições mais vorazes. Quando digo vorazes, me refiro ao conteúdo e à forma mesmo. Os modelos desenham na parede seus próprios cenários e isso, naturalmente, transforma o set num ambiente íntimo, gerando imagens belíssimas.


"Em cada ensaio as coisas acontecem de uma maneira diferente. Tem gente que chega e é super rápida, prática e já vai logo fazendo seu desenho, tirando a roupa.. Quando a gente vê, já está rolando a foto. Tem gente que leva um vinho, gosta de bater um papo antes, trocar idéia... Tem os super tímidos (com esses, o processo é bem mais demorado). Pra muita gente, se despir é um tabu. Ser fotografado nu então, nem se fala... mas respeito o tempo de cada um. Fico feliz que a pessoa topou participar e, de certa forma, está vencendo essa barreira. No geral, é sempre muito bom.", comenta Rafael.

Daniel Chaudon, Geiza Carvalho e Douglas Eugênio - Arte sobre fotos de Rafael Aguiar

Não há também um perfil específico de seleção. O GIZ é um projeto feito para todas, todes e todos. Algumas pessoas são convidadas pelo próprio fotógrafo. Outras acabam sabendo da proposta e se candidatam. A interatividade delas com o desenho proposto é o que torna cada foto um relicário.


"Eu acho que o grande barato do GIZ é o que o modelo traz. Isso é um frescor, né? Uma parede preta, um giz e infinitas possibilidades. O projeto existe desde de 2014 e eu sou apaixonado por ele, mas não é um projeto que está sempre ativo... Passo longos períodos sem fotografar. Agora, por exemplo estou desde o início da pandemia sem fazer e, como existe essa infinita possibilidade de variar, eu sempre tô querendo fazer.", comenta.


Isso mesmo que você leu! Embora o projeto tenha começado em 2014, ele ainda não teve fim. É uma proposta que pode ter continuidade sempre com novos modelos, novas temporadas. A parede tá lá disponível... É só separar o giz, ter uma boa ideia e ser clicado. Claro... tem que esperar a pandemia passar pra que a proposta siga bem.


QUEM FAZ

Rafael Aguiar é ator, cineasta, fotógrafo e roteirista. Nascido no interior de Minas, na cidade de Cataguases, foi para Juiz de Fora estudar comunicação, até abandonar essa formação e ir fazer teatro no Rio de Janeiro. Começou seu trabalho com audiovisual e se viu apaixonado por compor imagens. Após fazer alguns curtas, resolveu investir na fotografia. Algo que deu super certo, tanto que é sua principal atividade hoje.


O projeto GIZ, sem dúvidas, fez com que ele ficasse mais conhecido como fotógrafo. Começou a trabalhar clicando para uma revista onde registrou muita gente interessante. Basta acessar suas redes e ver o vasto portfólio que possui. São retratos de artistas, ensaios de nu, de moda, de performance... Um passeio que requer tempo pra observarmos todo o material.


No cinema, Aguiar tem como maior orgulho o filme "Casulo", com o qual ganhou muitos prêmios e na TV parrticipou como um dos finalistas do primeiro realitty show de fotografia de arte no Brasil: "Arte na Fotografia", no canal ARTE1.


QUEM FEZ

São muitos os modelos que participaram do projeto GIZ, até então. Artistas plásticos, como Will Barcellos, músicos, como Daniel Chaudon e Geiza Carvalho, atores, como Flavio Souza e Lucas Gouvêa, professores, como Lorraine Mendes, modelos, como Roger Monte, analistas de sistemas, como Douglas Eugênio, e tantos outros que se tornaram adeptos dessa aventura fotográfica que ecoa até hoje.

A professora Lorraine Mendes e o modelo Roger Monte - Arte sobre fotos de Rafael Aguiar

O ator e professor de teatro Lucas Gouvêa é super ativo nas redes sociais. Entre uma peça e outra, revela aos seguidores postagens que elucidam os bastidores do mundo das cênicas. Ele foi um dos participantes do Projeto GIZ e compartilha um pouco da experiência:


"Conheci o trabalho do Rafael no reality "Arte na Fotografia", de 2017. Achei o trabalho incrível e torci por ele até o fim. O ex-marido de Rafael é amigo de minha irmã e me falou sobre o projeto, perguntando se eu queria participar. Pesquisei sobre a página do GIZ no instagram e disse sim na hora! Como recusar?".


Cria do teatro e entusiasta da arte coletiva, Lucas viu essa interatividade do fotógrafo e do modelo como algo muito atrativo. O que foi determinante para sua participação.

Lucas Gouvêa - Foto de Rafael Aguiar

"Participar do Projeto Giz foi fundamental para esse meu processo de "desnudamento. A ideia era me despir e fazer o que eu quisesse na parede com um giz. Fazer um trabalho com nudez em um momento decisivo na minha vida em relação a isso, onde estava aprendendo a lidar melhor com meu corpo, depois de anos de bloqueio e não aceitação.", comenta.


Na época em que Lucas posou em estúdio, aconteceu o fatídico episódio no Rio de Janeiro em que, na gestão do prefeito Marcelo Crivella, houve uma tentativa de censura na Bienal do Livro daquele ano: a proibição de uma HQ de temática LGBTQIA+. Era o início do desmonte e da perseguição da cultural do governo Bolsonaro. Por isso, o ator e o fotógrafo decidiram protestar através da imagem.


"Adorei o resultado. Era exatamente o que eu queria exteriorizar naquele momento. O irônico é que um ano depois, respostando a foto na minha página profissional do Instagram (@lucasgouveaator), ela foi denunciada por alguém e retiraram do ar, com a ameaça de cancelamento da minha conta! Tentei recorrer mas desisti. Muito complicado...", finaliza o artista.


A NUDEZ ARTÍSTICA NO BRASIL DE 2021

GIZ é uma proposta que nasceu antes da fiscalização ferrenha das redes sociais que implica com peitos, bundas, pelos e peles. Repostar uma imagem do ensaio nos dias de hoje, onde o puritanismo toma conta do país, é um desafio tremendo. Por mais que as fotos de Rafael não possuam nudez explicita e frontal, torna-se uma tarefa complicada postá-las abertamente nas redes. Algo que não ocorria com tanta censura em 2014, por exemplo. Em Brasília, ensaios famosos como "Nu Objeto" e "Boa Sorte, clicados por Daniel Fama, e o ensaio "Fotona", clicado por Kazuo Okubo, possuem relevância artística e abrangência social em território nacional. Juntos, os ensaios contaram com mais de 300 modelos nus. Isso significa 300 pessoas que repostam as fotos dessas obras com cortes, borrões e tratamentos para que o contraste disfarce a nudez. Uma pena, pois além de descaracterizar a obra, isso dá a impressão de que o trabalho se torna algo indigno de apreciação pública. Sobre essa questão, o fotógrafo comenta:


"Realmente, antes tínhamos mais liberdade para postar fotos com esse conteúdo. Minhas fotos nunca tiveram nada explícito e mesmo assim tive diversas excluídas e isso acontece até hoje, mesmo com um ano sem postar nada no GIZ. Uma foto de 2016 foi removida esses dias, fiquei indignado, mas não há nada que eu possa fazer em relação a isso."


A boa notícia é que GIZ terá uma nova edição com novos modelos, novos desenhos e muita criatividade. Rafael irá comentar sobre isso aos poucos em suas redes. Aliás, pra quem tem interesse em conhecer mais o trabalho do artista, basta acessar sua conta no Bahance (https://www.behance.net/rafaelaguiar1) e seu instagram @rafaeaguiar , além dos perfis de trabalho @projetogiz e @projetoimaculados, do qual falaremos aqui em breve.

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