Foi realizada na manhã desta segunda (03/01), data do aniversário de 117 de Dulcina de Moraes, pelo CONDEPAC a votação da revalidação do tombamento do Teatro Dulcina e seus acervos e a inscrição do Ideário da atriz como Patrimônio Imaterial do DF

Uma mudança significativa para o teatro brasileiro acaba de ser votada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF por meio do CONDEPAC - Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal. O Teatro Dulcina foi retombado e o Ideário da atriz no Ensino e Fazer Teatral brasileiros foi considerado patrimônio imaterial do DF. Trata-se de parte do acordo com o estabelecido no Art. 14, §2º da Portaria 79, de 30 de setembro de 2015, em que o processo administrativo de Tombo, acompanhado do parecer de reavaliação e da correspondente manifestação do proponente e/ou do proprietário do Bem, é encaminhado à instância consultiva específica do Patrimônio Cultural para decisão sobre a revalidação ou não do título de Patrimônio Cultural do Distrito Federal, conferido ao Bem anteriormente.
O Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Distrito Federal (CONDEPAC) é órgão colegiado deliberativo, consultivo, fiscalizador e normativo, com composição paritária entre o Poder Público e a sociedade civil, vinculado à Secretaria de Cultura e Economia Criativa (SECEC) e abriu votação diante de representantes da comunidade e convidados no Auditório da Biblioteca Nacional nesta segunda-feira 03/02. O órgão é composto por 24 conselheiros (as) titulares distribuídos paritariamente entre Poder Público e Sociedade Civil, além de 11 conselheiros(as) suplentes. O Secretário de Cultura do DF, Cláudio Abrantes, é o presidente do colegiado. Angelina Quaglia assume a vice-presidência representando a Sociedade Civil. Fazem parte do CONDEPAC:
Conselheiros(as) do Poder Público
♦ Felipe Ramon – Subsecretaria do Patrimônio Cultural (SUPAC)/SECEC
♦ João Cândido – Subsecretaria de Difusão e Diversidade Cultural (SDDC)/SECEC
♦ Alexandre Henrique Pereira Pedroso – Subsecretaria de Administração Geral (SUAG)/SECEC
♦ José Carlos Prestes – Subsecretaria de Fomento e Incentivo Cultural (SUFIC)/SECEC
♦ Mariah Boelsums– DIPRES/ SUPAC/SECEC
♦ Júnior Ribeiro – SECEC
♦ Janaína Domingos Vieira – SEDUH
♦ Marcos Eduardo Siqueira de Santana – SETUR
♦ Beatrice Arruda Eller Gonzaga – DF Legal
♦ Luísa Helena Figueiredo Villa-Verde Carvalho – CLDF
♦ Alcidino Vieira Junio – TCDF
Conselheiros(as) da Sociedade Civil, por segmento:
♦ Angelina Nardelli Quaglia Berçott – Arte e cultura inclusiva
♦ Tânia Maria Fontenele Mourão – Arte e cultura inclusiva
♦ Francesly da Conceição Leite – Comunidades tradicionais
♦ Doralina Fernandes Barreto Regis – Comunidades tradicionais
♦ Maria do Socorro Carneiro Sousa Madeira – Culturas populares
♦ Tamara Naiz da Silva – Culturas populares
♦ Luiza Rego Dias Coelho – Especialidades
♦ David Capelo Carvalho – Especialidades
♦ João Miguel Manzolillo Sautchuk – Especialidades
♦ Maria Emilia Bastos Stenzel – Especialidades
♦ Paulo Henrique da Silva Santarém – Especialidades
♦ Robson Eleutério da Silva – Especialidades
A leitura do voto foi realizada pelo relator Junior Ribeiro e apreciada pela comissão diante da expectativa de uma plateia ansiosa pelo resultado. O voto consistiu em duas etapas:
1. A revalidação do tombamento do Teatro Dulcina de Moraes e dos acervos da atriz no Livro do Tombo de Bens Móveis de Valor Arqueológico, Etnográfico, Bibliográfico, Histórico e Artístico.
2. A inscrição do “Ideário de Dulcina de Moraes no Ensino e no Fazer Teatral Brasileiro” no Livro dos Saberes, reconhecendo-o como Patrimônio Imaterial do Distrito Federal.

A revisão do tombamento está prevista no artigo 14 da Portaria 79, de 30 de setembro de 2015, que determina os procedimentos a serem observados na instauração e instrução de processo administrativo de Tombo de Bens Culturais de Natureza Material no âmbito do Distrito Federal, com base na Lei nº 47, de 20 de outubro de 1989, regulamentada pelo Decreto nº 25.849, de 17 de maio de 2005. De acordo com o artigo, no máximo a cada 10 (dez) anos, a Subsecretaria do Patrimônio Cultural procederá à reavaliação dos Bens Culturais Tombados, emitindo parecer técnico que demonstre a permanência ou não dos valores que justificaram o Tombamento. No caso do Teatro Dulcina, cujo tombamento foi realizado em 2007, a renovação não foi realizada, carecendo de maiores informações para sua continuidade. Agora, com o registro de inventário do acervo atualizado, foi possível concluir o retombamento, que é uma garantia de existência do prédio do teatro e suas adjacências, com foco no acervo cultural e artístico incorporado a ele.
O IDEÁRIO DE DULCINA DE MORAES
Dulcina de Moraes foi, sem dúvidas, uma das grandes atrizes brasileiras do século passado. Em entrevista, a consagrada e incontestável atriz Fernanda Montenegro se refere a Dulcina como “a maior personalidade das artes cênicas do século XX”.
Nascida em 1908, passou a fazer teatro ainda na adolescência com a Companhia Brasileira de Comédia de Viriato Corrêa. No final da década de 1920 se casou com o ator e empresário Odilon Azevedo e, juntos, criaram a Companhia Dulcina-Odilon, que se tornou uma das mais badaladas da época.
Porém o grande sonho de Dulcina, que além de atuar era uma militante ativa na busca de reconhecimento e na evolução da classe artística, era abrir uma Fundação. Assim, em 1955, Odilon comprou o Teatro Regina, situado no Centro do Rio de Janeiro, trocou o nome para Teatro Dulcina e doou o empreendimento para que fosse possível criar a Fundação Brasileira de Teatro (FBT). Em pleno regime militar, Dulcina e diferentes artistas se mobilizaram na luta pelo reconhecimento da profissão e pelo fim da censura.

Ainda no Rio de Janeiro, a Fundação Brasileira de Teatro ajudou a formar importantes nomes das artes cênicas e com a morte de Odilon, em 1966, Dulcina decidiu mudar os rumos da vida e começou a preparar sua mudança para Brasília.
Com a missão de trazer à luz e revelar ao público todo o acervo e os arquivos guardados entrou em cena o ex-aluno da Faculdade Dulcina, o ator, produtor e professor com longa atuação em Brasília, Josuel Junior. Por um ano e meio, o profissional assumiu a missão especial de mapear e recuperar todo o acervo pessoal e profissional deixado pela atriz. São dezenas de figurinos e muitos documentos, livros, discos, cartas, diário, objetos pessoais, fotografias que contam a história da dama do teatro brasileiro.

Na equipe de Josuel, as museólogas voluntárias Letícia Amarante e Desiree Calvis, a consultora têxtil Ana Maria da Silva e os pesquisadores teatrais e professores Roberto Sá e Gabriel Cabral. As ações de resgate e difusão realizadas pela equipe na sede da Fundação Brasileira de Teatro ganharam os noticiários de todo o país. Juntos, os profissionais abriram baús centenários, armários antigos, gavetas e passagens secretas do Teatro Dulcina, organizando e revelando o que estava guardado em caixas e mais caixas de documentos, alguns expostos à poeira e insetos, revelando, posteriormente, o que viria a ser um dos maiores achados das artes cênicas. Nomes como Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg, contemporâneas de Dulcina, endossaram em suas redes e entrevistas a seriedade do trabalho realizado em Brasília.

Após o trabalho no Dulcina, que não chegou a ser concluído por ocorrência da saída de Josuel e dos voluntários das atividades na fundação em meio a desacordos administrativos, a equipe foi premiada pela Secretaria de Cultura pelo reconhecimento ao empenho realizado na defesa do patrimônio cultural e artístico do DF. Josuel assumiu a consultoria de outro importante acervo teatral de Brasília - o do Teatro Goldoni - que, após inventariado, foi inteiramente doado ao Arquivo Público do DF, numa ação inédita, até então. Desiree Calvis e Letícia Amarante seguem conduzindo pesquisa museológica e historiográfica no DF, atuando juntas, inclusive, no Acervo do líder indígena Álvaro Tukano. Roberto Sá atualmente é professor da Secretaria de Educação do DF e o trabalho no Teatro Dulcina pauta suas aulas, bem como Gabriel Cabral, que atua em salas de aula para estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio.
Cláudio Abrantes, Secretário de Cultura do DF e presidente do CONDEPAC, comenta a importância desse momento para a arte do DF.
"É a primeira revalidação de tombamento que nós fazemos aqui no CONDEPAC. Isso, por si só, é muito forte porque abre espaço para outros bens que precisam ser revalidados. Agora, o Ideário de Dulcina entra no Livro dos Saberes, ou seja, todo esse conhecimento e o saber de Dulcina poderá ser contemplado num plano de salvaguarda e,, aí sim pode ser direcionado para as cidades, as escolas e a população em geral. Mas existe também um aspecto afetivo. Todos nós no DF temos uma relação com Dulcina, não somente com a atriz, mas como a ativista e a articuladora que ela foi. Fazer esse reconhecimento gera algum tipo de responsabilidade ao estado, sobretudo dos planos de salvaguarda."

Sobre o reconhecimento da importância do acervo de Dulcina e do que esse importante material pode representar para a educação patrimonial do DF, Felipe Ramon, Subsecretário do Patrimônio Cultural, reforça:
"É um dia muito importante, não só pela riquíssima história de Dulcina , mas pela contribuição incalculável que ela deu ao Brasil. Esse tipo de dispositivo da Subsecretaria de Patrimônio reafirma o compromisso do estado na preservação do bem cultural. O tombamento é a validação que dá mais importância a esse bem. Por isso, o dia de hoje se transformou nessa festa maravilhosa, em pleno aniversário de Dulcina, nossa grande dama das artes dramáticas. Ela sofreu uma injustiça histórica, teve sua narrativa esquecida por um tempo e reacender essa chama é uma forma de fazer com que ela não se apague mais."
O relator dos votos e membro do CONDEPAC, Junior Ribeiro, explica as bases de pesquisa para a defesa do tema perante os conselheiros e à comunidade artística e jornalística:
"Ser relator do voto que subsidiou este momento é um privilégio. Revalidar o tombamento do Teatro Dulcina e seu acervo e registrar o ideário de Dulcina como patrimônio imaterial é muito importante. Foi uma pesquisa de dois anos, desde que o acervo começou a ser trabalhado pela equipe responsável. Fizemos um levantamento com base em documentos históricos e condensamos isso num parecer, primeiro na Comissão Permanente de de Análise e Avaliação de Registro e Tombamento (CPAART) e isso serviu de base para o voto, que foi aprovado por unanimidade pelo CONDEPAC."

Na plateia do auditório, representantes da Fundação Brasileira de Teatro, os pesquisadores teatrais, da museologia e voluntários que participaram ativamentente das ações de resgate do que é considerado um dos maiores acervos teatrais brasileiros distribuídos por coleções, além de comunicadores, jornalistas, artistas, pioneiros do DF e apoiadores do Teatro Dulcina. Dentre eles, Natanry Osório, ex-administradora do Lago Sul e amiga pessoal de Dulcina. A parceria de Natanry com Dulcina culminou na realização de duas versões de espetáculos famosos da atriz no Rio, realizada nos anos de 1972 e 1973 com elenco brasiliense. As apresentações de "Mulheres" e "Tia Mame" lotou a sala Martins Penna com intuito de atrair investimentos para a construção da sede da FBT no DF. Mesmo com a partida de Dulcina, Natanry sempre teve olhos afetuosos para com a fundação.

"Que honra, que emoção! Hoje é um dia realmente marcante para a história da cultura do Distrito Federal, que é uma cidade cultural que precisa renascer. Contamos com a sensibilidade do Secretário de Cultura e do Governador agora. Que seja uma realidade esse resgate do Teatro Dulcina. Dulcina viverá para sempre!"
A museóloga e produtora cultural Desirre Calvis, que trabalhou ativamente no inventário dos famosos figurinos de Dulcina, comenta o resultado da votação:
"É muito importante trazer essa história à tona para o Brasil porque antes, simplesmente, não era falado. Com o trabalho que foi feito para o inventário do acervo, tudo chegou numa nova proporção. É uma honra muito grande saber que pude ajudar em algo que será ensinado nas escolas."
Junto de Desirre esteve Ana Maria da Silva, costureira de carreira que ajudou a identificar a tipologia de cada peça têxtil do acervo. Sobre os desafios enfrentados, ela diz:
"Pra mim foi bem impactante fazer parte da equipe do acervo. Tive contato direto com vários modelos de figurinos. Uma oportunidade de desenvolver talentos. Hoje vim vestida de Dulcina. me inspirei nos vestidos dela com os quais trabalhei. Muito feliz por esse momento. Eu quero contar essa história para os meus netos."

A museóloga e historiadora Letícia Amarante introduziu o método da museologia ao trabalho de inventário do acervo e, mesmo tendo trabalhado em outros projetos semelhantes, tem pela missão do Teatro Dulcina um afeto especial:
"Redescobrir o acervo de Dulcina, objetos pessoais, documentos de importância pública e que hoje fazem parte desse retombamento. A gente torce para que, com o resultado de hoje, o trabalho com o acervo continue.
Roberto Sá, pesquisador e professor de arte, faz uma reflexão sobre o início do trabalho e a resolução do CONDEPAC:
"Que momento lindo! Todo esse acervo agora poderá ser de conhecimento das escolas. Eu, como professor de ensino médio, fico maravilhado em poder falar disso para os alunos nas aulas de arte. Agora é só curtir esse momento lindo e maravilhoso que entrará para a história no dia do aniversário de Dulcina."
Gabriel Cabral, que atuou juntamente de Roberto nos primeiros dias de desbravamento do acervo, comenta a pausa nas atividades do acervo e o impacto que o voto tem sobre o ensino de arte do DF:
"É um acervo rico, que conta a história do teatro de Brasília e do Brasil. Ter esse acervo vivo, bem cuidado e essa votação a favor do tombamento é manter viva a história."
André Amahro, um dos profissionais mais respeitados das artes cênicas do DF é ex-aluno da própria Dulcina e celebra os dois votos favoráveis:
"Fico muito feliz que isso esteja acontecendo e mais feliz ainda por ouvir um relatório minucioso, que conta não só a história do patrimônio de Dulcina, mas também de sua fundadora. Junior Ribeiro fez um trabalho exemplar... Quase uma literatura sobre Dulcina.Espero que um dia a gente tenha um lugar de destaque para essa história."
A jornalista cultural Márcia Witczak tem forte ligação com o Teatro Dulcina há décadas, sempre contribuindo para a divulgação de ações do espaço. Ela foi a primeira profissional a falar na mídia sobre o trabalho da equipe liderada por Josuel e avalia o resultado da votação:
"Eu acho que antes tarde do que nunca! Dulcina deve estar muito feliz e todo mundo que participou neste momento está de parabéns, principalmente a equipe do Josuel Junior, que emocionou a todos nós que amamos Dulcina e a cultura de Brasília. Brasília hoje está de parabéns com essa atitude porque Dulcina merece demais. Precisamos reconhecer nossos heróis!"

Uma das ações de salvaguarda que o CONDEPAC sugeriu na sessão é que o ideário de Dulcina seja inscrito no Currículo em movimento da Secretaria de Educação, tamanho impacto do reconhecimento de sua imaterialidade. Esta ação dialoga diretamente com a jornalista e escritora Márcia Zarur, que publicou recentemente pelo Coletivo Maria Cobogó um livro infanto-juvenil sobre Dulcina. Sobre isso, ela comenta:
"Hoje é um dia de alegria e emoção imensas porque Dulcina de Moraes merece. Uma pioneira que fez muito pelo teatro do Brasil, de Brasília e pela própria cidade. A história da Dulcina se confunde com a criação da identidade brasiliense e a gente agradece muito à Secretaria de Cultura por ter dado esse passo tão importante na preservação dessa memória, ao Josuel e sua equipe por esse trabalho lindo de inventário desse acervo."
Após um longo período sem mencionar o trabalho na Fundação Brasileira de Teatro, Josuel Junior, que se afastou da função com a equipe de voluntários em meio a uma série de imbróglios contratuais, abriu uma exceção para tocar no assunto e falar sobre o retombamento do Teatro Dulcina e o Ideário de Dulcina de Moraes no Ensino e no Fazer Teatral Brasileiro:
"Fiz duas graduações na Faculdade Dulcina, além de ser produtor do teatro por anos. Tive o primeiro contato com o acervo em 2007 por intermédio de Celeste Silva e passei a ser íntimo desse material, independente das gestões que assumiam a FBT. Sou muito grato pela confiança da comunidade artística, da sociedade e da Secretaria de Cultura, que acompanhou tudo de muito perto, nos orientando e dando pareceres instrutivos a cada nova etapa. E muito mais grato eu sou à essa equipe de voluntários que, de maneira generosa, se sacrificou sem água, sem luz, em prol de algo que ninguém sabia no que iria dar. O trabalho foi interrompido em seu momento mais promissor, mas o resultado do que foi feito até onde deu está aí: Conseguimos fazer com que Dulcina se tornasse imaterial. Agora, nem a história pode apagar o nome de Dulcina, nem ninguém pode apagar nossa brava contribuição."

A aprovação teve unanimidade de votos dos conselheiros e foi ovacionada por uma plateia de admiradores e defensores do patrimônio cultural de Dulcina. A partir da votação do CONDEPAC, tramitará um decreto que vai ao governador e publicado no Diário Oficial. Posteriormente, será desenhado um plano de salvaguarda do estado para que tanto o bem tomado, quanto o ideário de Dulcina e seu legado sejam mantidos vivos na memória da sociedade.
Colaboraram: Bruno Gustavo e Suzy Costa / Portal Conteúdo
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