O projeto de Lei proposto pelo deputado Rafael Prudente (MDB), além de caracterizar censura prévia, pode afetar relações diplomáticas entre representantes da cultura de outros países e de estados da federação. Brasília não será mais cotada para receber exposições e peças consagradas.
A classe artística sofreu mais um golpe na última semana com a aprovação em primeiro turno do projeto de lei criado pelo deputado Rafael Prudente (MDB) que proíbe expressões artísticas e culturais com nudez ou que "atentem contra símbolos religiosos" em espaços públicos da capital.
Indo contra a maré e invalidando a própria força do Estatuto da Criança e do Adolescente, que já assegura, através de normas e regras, que produtores culturais divulguem amplamente a classificação indicativa das obras, o projeto surge como mais um empecilho para a liberdade de expressão, além de representar um risco com as relações diplomáticas com outros países.
ENTENDA...
Se uma exposição de arte ou um espetáculo teatral farrá uma turnê internacional pelo Brasil e tem Brasília como um dos pontos de apresentação, essa obra terá que se adequar aos "padrões vigentes unicamente no DF"? Muito provavelmente não, pois isso afetaria diretamente a livre criação e os direitos de autoria dos eventos. Solicitar a modificação de uma estrutura teatral ou de curadoria de uma exposição por conter nudez, caracteriza-se como censura e interferência direta à criação autoral. Com isso, é mais fácil que as grandes produções internacionais ou nacionais optem por não circular em Brasília, afinal, para que se sujeitar à interferências taxativas se em outros estados do Brasil ainda é possível fazer arte?
Brasília se tornará uma espécie de Chernobil das artes... Um quadrado vazio, oco, onde a livre manifestação artística não é bem vinda. E, com essa inevitável transferência de obras que viriam pra cá seguindo para outros estados, a economia criativa seria totalmente afetada, pois, com menos atrações artísticas, menos contrato de produtores locais, distribuidores, transportadores, montadores e técnicos das artes. Seria o começo do fim.... A Brasília cultural deixaria de existir.
Exposições e instalações artísticas, como as do artista Sebastião Salgado, provavelmente não fariam temporada no DF , afinal, é melhor levar uma obra onde a arte pode ser bem recebida. Grandes exposições internacionais também pensariam dua vezes antes de trazer projetos que podem vir a ser investigados pelos fiscais distritais do governo local.
Ironicamente, Brasília é conhecida por cidade-arte. Suas curvas, seu projeto urbanístico e a interferência direta de Oscar Niemeyer nas principais construções mostram uma cidade moderna, futurista, mas com membros da Câmara Legislativa ainda com pensamentos ultra-conservadores e retrógrados. Uma pena.
O texto do projeto, de acordo com matéria veiculada no G1, também obriga estabelecimentos privados que abriguem exposições a fixarem uma placa indicativa "contendo advertência para o conteúdo da exposição, bem como a faixa etária à qual se destina". Porém, a classificação indicativa vigente no Brasil já assegura tal protocolo. Muito provavelmente, os deputados que foram a favor dessa lei absurda, não consomem obra de arte há algum tempo. Confundir pornografia com nudez artística é típico que quem não consome arte e sim pornografia. Aliás, os deputados favoráveis ao projeto de lei ficariam horrorizados se visitassem Florença, na Itália. A estátua Davi, de Michelangelo está lá... nua há séculos! E nem precisa ir tão longe... As Iaras, escultura de Alfredo Ceschiatti, provavelmente teriam que sair do espelho d'água do Palácio da Alvorada.
Vamos à lista de quem votou a favor da censura disfarçada de bons modos:
Favoráveis ao projeto:
Rafael Prudente (MDB)
Hermeto (MDB)
Iolando (PSC),
Jorge Vianna (Podemos)
Rodrigo Delmasso (Republicanos)
Martins Machado (Republicanos)
Delegado Fernando Fernandes (Pros)
Contra o projeto:
Arlete Sampaio (PT)
Chico Vigilante (PT)
Fábio Felix (PSOL)
Júlia Lucy (Novo)
Professor Reginaldo (PDT)
Leandro Grass (Rede)
A votação seguirá para segundo turno. O deputado Fábio Félix (PSOL) conseguiu interferir e adiar a votação e, em conjunto com outros parlamentares, apresentará um novo texto que será votado na terça que vem. Na prática isso significa que será possível tirar os pontos absurdos e apresentar algo coerente. Segundo o distrital, o projeto de lei é inconstitucional. O objeto é adequar o projeto de lei à constituição federal.
Tal projeto, é uma tentativa de negativizar e criminalizar a imagem do corpo humano, que é a representação da vida. Espetáculos como "Grande Sertão: Veredas"/RJ, "Autópsia"/DF, "Jardim das Delícias"/DF, além de obras do Teatro Oficina Uzyna Uzona/SP teriam sérios problemas se apresentados em Brasília nos dias de hoje. É justamente esse risco do medo que faz mal. A censura, muitas vezes, não está no ato proibitivo e sim na ameaça que passa a rondar a classe artística.
E O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO?
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
VI - e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
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