Muitos são os artistas que saíram de projetos criados na cidade de Samambaia. Hoje, alguns se destacam na cena cultural do DF. Uma dessas artistas é Juliana Plasmo.
Aos 16 anos, ela recebeu o convite de um grande amigo, Diogo Junior, para fazer oficina de teatro gratuita na extinta Mansão do Forró, em Samambaia. Ela foi, mesmo sem nunca ter feito nada com teatro ou interpretação. Sua primeira professora de teatro foi Verônica Moreno, agitadora cultural da cidade que "lançou" muitos talentos locais. Verônica plantou essa semente das artes em Juliana, que segue sendo regada para crescer mais e mais. As oficinas apresentaram um novo mundo para a adolescente. Algum tempo depois, anunciaram na cidade um teste de elenco para um projeto chamado "Meu Primeiro Filme". Foi nessa ocasião que conheci Juliana, pois eu era o produtor e diretor de elenco do projeto criado pelo professor de artes Paulo Z, um sonhador que ousou fazer um longa metragem numa periferia. Paulo lecionada no Centro de Ensino Médio 304, espaço que auxiliou muitos projetos artísticos locais.
A experiência com o filme "Periférico 304" é melhor compreendida hoje. Digo isso porque foi um projeto pioneiro, teve uma proporção muito maior do que todos nós queríamos, mas era tudo muito trabalhoso e artesanal.
Juliana foi fazer o teste. Era uma figura diferente, ousada e que marcou presença de cara. Ela já saiu do teste aprovada! Não tínhamos muito a oferecer aos participantes. Eles contariam com oficinas de interpretação e com uma vontade muito grande da equipe pra que tudo desse certo. Vale lembrar que Juliana Plasmo era integrante de uma nova tribo em Samambaia. Havia quem já trabalhasse com cultura popular na cidade, como os agitadores artísticos Verônica Moreno, João Porto, Gilberto Alves e os realizadores das quadrilhas juninas e da Paixão do Cristo Negro. De repente, chegou uma nova galera... Uma galera musical, despojada e que tinha um rolê mais alternativo. Nomes como Lino Mourais, Diogo Dantas e Juliana Plasmo vieram nessa safra.
"Compareci no segundo dia de teste, o que me deu menos tempo de ensaio para a segunda etapa. Pensei rápido e apresentei um antigo poema dramático que já havia decorado. No fim do teste a resposta do diretor foi: Você sabe andar de cadeira de rodas? (Achando a pergunta anormal) respondi: Não! Passei no teste e recebi uma personagem cadeirante, Luísa", lembra.
Juliana teve como par justamente seu amigo Diogo Junior, que a fez conhecer o universo artístico anos atrás. A primeira cena dos dois era justamente a de um acidente que deixaria sua personagem paraplégica. Começamos bem! Ainda sobre o filme, ela comenta:
"O filme, de fato, foi meu primeiro contato com câmera, set de filmagem, maquiagem para atuação, entrevistas, personagem realista, decorar maiores textos, beijo técnico. O resultado do filme foi subir, pela primeira vez, no palco do Cine Brasília, no Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro".
Foi difícil... O filme demorou muito a sair. Entre a primeira seleção de elenco e a exibição do filme num cinema de verdade foram 5 longos anos. Quase morremos de pânico com as questões de continuidade. Como não havia pagamento para os atores, não podíamos exigir que mantivessem o mesmo visual por tanto tempo. Quando terminou e a faculdade IESB comprou o projeto para editar e lançar oficialmente, boa parte da equipe já estava descrente. Essa demora deu ao "Periférico 304" um aspecto de resistência muito forte perante a sociedade e imprensa. Éramos matéria de jornal quase toda semana em Brasília e no Brasil. Quando o filme foi lançado ele gerou empatia unânime por todos os meios de comunicação da época.
O "Periférico 304" serviu pra levantar a autoestima cultural da cidade e deu à ela uma projeção nunca antes alcançada. Hoje sabemos que o filme peca tecnicamente, mas é certo que foi determinante para que as pessoas associassem Samambaia a um local de eferverscência cultural. O projeto é esquecido, até o momento em que tocamos no assunto e alguém diz: Nossa! Eu lembro desse filme.
"Sabemos que sempre que acontecem projetos culturais nas cidades satélites é de praxe usar termos como 'Estamos tirando esses jovens das ruas' ou 'Estamos salvando essa pessoa da marginalidade'. É importante saber de onde você vem, não virar as costas e nem o rosto, mas é limitante se carimbar como ‘jovem periférica’, quando meus horizontes podem ser diversos".
Após o filme, o tempo passou e alguns participantes entraram na faculdade, se destacaram no mercado de trabalho e hoje são super atuantes no teatro e no vídeo. Juliana é uma das figuras que se destacaram.
De repente, passei a ver Juliana fazendo publicidade, apresentando filme institucional e sua imagem na TV passou a ser a imagem de uma profissional séria e com muita credibilidade. Essa transição entre a estudante da Faculdade Dulcina e a profissional de teatro e audiovisual se deve à observação que ela teve com os mestres, desde hábitos diários de saúde, forma de autocuidado, pensamentos, até como utilizar bem o tempo para autoavaliação e estudo.
Hoje, Juliana atua, aplica cursos e oficinas de interpretação, participa de muitos treinamentos com profissionais da área e carrega consigo uma série de representatividades: É mulher de periferia, é mulher negra, é mulher negra artista.
Por saber que o teatro potencializa quem o estuda, nas oficinas que ministra sempre está presente o fator, popular, tanto pelas localidades em que trabalha, quanto na escolha dos valores cobrados. A profissional acredita que a educação é um dos bens mais valiosos e que elucida bem o vão entre um empresário e um morador de rua. Ela acredita que os cursos são importantes para expandir e difundir o ensino do teatro para quem nunca teve contato, como também cursos de aperfeiçoamento e prática para profissionais que queiram se reciclar e se manterem aquecidos cenicamente.
O que um dia começou com o convite de um amigo, se tornou profissão. Hoje, Diogo Dantas e Verônica Moreno já não estão mais por aqui... mas as consequências desses encontros ainda ecoam na vida da atriz. E ela segue firme e forte, sempre mostrando em suas redes sociais os bastidores de seus trabalhos, os produtos que eles geram e suas percepções sobre a sociedade contemporânea. Sem dúvida, precisamos falar de Juliana Plasmo.
"Se me perguntarem sobre a minha história, digo que ela começou assim... Nasci na invasão do CEUB, barraco 82. Tenho o cartão de vacinação da época até hoje. Nessa época, Brasília falava para minha família e pra mim: 'aqui não tem espaço para vocês'. hoje, ouço Brasília falando: 'Seja do tamanho que você quiser'."
JULIANA PLASMO
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