Um movimento de artistas tem repercutido nesta semana em Brasília. Com pagamentos atrasados e editais emergenciais criados sem muita perspectiva de concretização, agentes culturais têm buscado maior transparência da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF.
Com a saída de Adão Cândido do posto de Secretário de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, pessoa que, notadamente, era contra a arte e os artistas locais, a classe de trabalhadores do setor cultural da capital teve um suspiro de paz com a nomeação do jornalista Bartolomeu Rodrigues. Artistas e colegas da imprensa concordaram que o diálogo de Bartolomeu com os entes e agentes culturais seria mais aberto e democrático. De fato, ele responde às perguntas dos jornalistas. De fato, ele publica vídeos em suas redes falando das ações que são feitas durante sua gestão. Porém, isso não significa, necessariamente, um diálogo.
Adão Cândido comportava-se como um tirano. Não havia diálogo, diplomacia ou trato social. Com Bartolomeu, sim. No entanto, as resoluções continuam lentas e galgadas na diplomacia. A questão maior é que a simpatia não representa fase de empenho e, consequentemente, pagamento em conta.
Entre tantas notícias ruins, há agora um novo risco: O de não haver edital para Áreas Culturais no ano de 2020. Caso isso se consolide, será a queda de toda uma cadeia produtiva em proporções apocalípticas. Por uma coincidência incrível, será justamente na gestão de um Secretário de Cultura que preza pelo diálogo que haverá o maior e mais devastador desfalque para a arte de Brasília e das Regiões Administrativas do Distrito Federal. Com isso, percebe-se que não basta apenas dizer que há diálogo. Há momento em que ações precisam ser mais efetivas, pois há dinheiro em caixa sim!
A classe trabalhadora do setor cultural do Brasil tem sofrido grandes golpes cotidianamente. No DF, editais emergenciais foram criados, premiações foram propostas e as promessas de que algumas verbas atrasadas seriam depositadas para injetar capital ao processo criativo só denotam uma letargia imensa e um descaso com quem vive e põe pra girar a engrenagem da arte local.
Em decorrência disso, teve início nesta semana um movimento de artistas que estão usando as redes sociais para falar sobre o descaso da SECEC-DF, marcando o Secretário Bartolomeu Rodrigues a fim de que haja um posicionamento menos romântico e mais prático por parte dele e de sua equipe. Os vídeos estão em vários perfis de redes sociais e tiveram início através de um convite da atriz, diretora, pesquisadora e produtora cultural Ana Flávia Garcia, que está compilando alguns dos envios que chegam para que o público, artistas e habitantes do Distrito Federal tomem conhecimento da hecatombe estrutural de uma cidade que, ironicamente, é conhecida como Cidade-Arte.
É importante entender que o problema não é apenas a crise ocasionada pela pandemia do novo coronavirus. O problema da cultura do DF é bem antes disso. Quando o vírus ainda estavam na China os artistas já estavam sem produzir há meses! Antes da crise, o descaso com o setor artístico já era descarado. O FAC Áreas Culturais 2018 estava atrasado e, se pago no tempo certo, muita gente não teria entrado em dívidas. Novos editais emergenciais foram lançados, porém, o dinheiro de alguns desses editais ainda não chegou a quem deveria chegar. Vale lembrar também que entre o lançamento de um edital e o pagamento, há um período longo de muitas etapas para respeitar a Lei de Orçamento. A questão é que alguns dos prazos de 180 dias também expiraram. O que era emergencial em março, continua mais que emergencial agora... Só que o dinheiro de março ainda não entrou. Confira algumas etapas entre o lançamento do edital e o início do projeto:
*Publicação de Portaria;
*Período de Inscrições;
*Análise de Material e de Mérito Cultural;
*Pedido de Recurso;
*Aprovação;
*Divulgação dos Aprovados em Diário Oficial;
*Período para entrega de documentos e assinatura dos Termos de Ajuste;
*Abertura de Conta no BRB;
*Execução.
Em toda cadeia de produção cultural há artistas mais experientes e artistas iniciantes. Para que artistas iniciantes possam entrar no ramo artístico é importante que hajam projetos para incluí-los, além, claro, de um diálogo de gerações. Os estudantes de artistas e artistas mais jovens também podem e devem se unir ao movimento de cobrança, pois a arte é de todos e, em Brasília, todo mundo se encontra em algum projeto, seja por incentivo de editais ou de iniciativa privada.
Engana-se quem pensa que apenas produtos de arte são atingidos nesse período de enfrentamento ao Coronavirus. Uma grande rede de trabalhadores informais ficou desamparada com as pausas nas produções, seja no setor teatral, musical, das artes visuais ou do audiovisual. O próximo a ficar desamparado será o público, pois nem só de reprises vive a arte do Brasil.
No começo da noite, após a publicação da matéria, o Secretário gravou um vídeo como resposta aos artistas para justificar o trabalho da pasta da cultura do DF:
"Muita gente postou vídeo pra mim no instagram perguntando: 'Cadê o dinheiro do FAC?'. E eu respondo. Respondo, se me permite, com muita alegria, pois o dinheiro do FAC é dinheiro público e deve ser tratado republicanamente, com responsabilidade. O dinheiro do FAC está com os artistas, está com os agentes culturais contemplados pelos editais que a gente lançou neste ano, um atrás do outro. Editais pra ajudar a galera prejudicada pela pandemia. O dinheiro do FAC está com os artistas premiados. Estão lembrados? Está nos projetos que geram emprego e renda. Está no pagamento do FAC Áreas (Culturais) 2018. Sim... Nós honramos esse pagamento do passado quando anunciaram o edital e não empenharam o dinheiro. Sabe como se chama isso que fizeram com o Edital Áreas 2018? Nós não vamos repetir. Em 2021 a gente vai tá pronto pra levar o FAC inteirinho onde precisa chegar. Recentemente, quando lançamos o Edital Audiovisual Periférico de 9 milhões, foi com o que a Secretaria tinha disponível para encerrar o ano. Em outras palavras: Nós gastamos tudo o que tínhamos pra gastas. Mas gastar não é a palavra certa. É uma palavra feia, parece consumismo. Eu prefiro dizer que a gente investiu. Botou a roda da cultura pra girar com decência, com lisura, com transparência. O DF vem fazendo bonito em favor da cultura, com muito orgulho. Compara com os outros estados, pode comparar!"
Bartolomeu Rodrigues encerrou o vídeo fazendo o uso de tom jocoso para se dirigir à categoria que se posicionou nas redes:
"Cadê o dinheiro do FAC? Tá aí do seu lado. Abra a mente que você vai ver..."Agora, dá licença que a gente tá trabalhando pra executar a Lei Aldir Blanc. A gente tá trabalhando pelo Festival de Cinema de Brasília. Vamos fazer um belo festival. A gente tá trabalhando pelos outros editais do FAC que estão em pleno andamento.. É muita coisa. É muito trabalho!"
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